“O senhor podia me preparar um salsichão bem gostoso?”

As conversas de rua surgem e desaparecem do jeito mais estranho possível. Pessoas que alguém nunca viu de repente começam a perguntar coisas com intimidade surpreendente e muitas vezes constrangedora. Eu subia a Rua Nilo Brandão com pacotes de supermercado. Estava preocupado porque dois garotos com aparência suspeita deixaram o ponto de ônibus e me seguiram. Acontece que um dia um sujeito arrebatou a sacola de compras de um idoso e saiu correndo enquanto o velho gritava inutilmente. O cara sumiu e a compra do idoso também. Aquilo foi de cortar o coração. Roubar compra de supermercado é o fim da linha para a criminalidade moderna. Isto se chama decadência de modalidade criminosa.

Por esta razão, por temor, olhei para trás para ver se os garotos me acompanhavam. Nem sinal deles, que entraram na ciclovia certamente para dar um tapa na macaca. Eu vi uma mulher de branco logo atrás. Assim que olhei, ela parou e começou a olhar para o chão. Eu achei estranho e ela perguntou: “Que foi? Perdeu dinheiro?”. Eu respondi que não. De onde ela tirou a ideia de que olhar para trás é sinal de perder dinheiro eu não sei. Mas eu virei para frente e continuei a subir a ladeira em direção de casa. A mulher me acompanhou fazendo perguntas. “Será que vai chover de novo?”. Eram perguntas cujas respostas eu não tinha. Até que cheguei à esquina, dobrei aliviado e fui para casa, como alguém que foge de alguma coisa. Mas, claro, esta não foi a primeira vez e nem seria a última que este tipo de coisa acontece.

Dois dias antes eu estava na Rua Marechal Deodoro com repentina vontade de tomar um caldo de cana. Eu e o caldo de cana temos uma relação estranha. Passo diante destes carrinhos de vendedores de caldo de cana dezenas, centenas de vezes, sem ter vontade de parar. Aí, belo dia, tenho vontade de beber um copo de caldo de cana gelado como um sujeito no deserto anseia por um copo de água. Quando acontece isso e não tem carrinho por perto é desagradável. A sorte é que Curitiba tem muitos destes pontos de venda de caldo de cana. E não precisei andar mais que alguns metros para encontrar um. Um sujeito que até então conversava com o vendedor de caldo de cana e não tinha interesse em tomar caldo de cana se assanhou e puxou conversa.

Ele disse: “Rapaz, caldo de cana é gostoso, mas tem muito açúcar. Toda vez que eu tomo me dá uma preguiça danada. Isso para o trabalho é a pior coisa que existe”. Como eu tinha que trabalhar em seguida, eu fiquei preocupado. “Será que eu vou ficar com preguiça e sono?”, pensei. Mas a surpresa foi o sujeito com toda aquela sabedoria popular e depois de dizer que tinha que trabalhar à tarde, pedir para o vendedor de caldo de cana: “Me faz um também. E dos grandes, com limão!”. Eu não entendi nada. Ou melhor, a única coisa que deduzi foi que o sujeito não queria trabalhar, queria dormir e sentir preguiça, já que sabia que estes eram os efeitos de um copo grande de caldo de cana.

Como sou muito encanado, cheguei à redação achando que estava com sono. O Miguel me deu um troço: “Tome este Vivamil que você vai ficar em ponto bala”, disse. Eu peguei o comprimido e ia tomar, mas fiquei com medo de ficar muito agitado e irritar os colegas com trocadilhos infames. Quando fico muito agitado eu produzo uma profusão de trocadilhos, alguns originais, outros criativos, mas a maioria é de assustar a moçada. Resumo: tomei café e me senti ótimo. No fim da tarde, fui para casa, meio cansado. Procurei sair antes do rush para não pegar ônibus cheio. Perto de uma esquina, parei ao lado de um carrinho branco, esperando o semáforo abrir. Uma dona se aproximou faceira e pediu: “O senhor podia me preparar um salsichão bem gostoso?”. Eu levei um susto. Foi então que percebi que o carrinho vendia cachorro-quente. O homem de branco estava ali e a dona pediu salsichão pra mim. Eu apontei o homem de branco e disse: “O seu negócio é com este aí, querida!”. O semáforo abriu e fui embora sem saber como terminou o caso da dona que queria um salsichão bem gostoso com o homem de branco que tinha este salsichão.