O segredo do homem bom do Capão da Imbuia

Madre Belarmina de Kronstadt finalmente foi conhecer o Sr. Archimedes da Silva, o homem bom do Capão da Imbuia. A religiosa gostava de pessoas santas, boas e que ajudavam os outros. Ela as considerava os novos santos anônimos, desconhecidos e irreconhecidos. A madre queria entrevistá-las e saber o segredo da santidade destas pessoas. Enquanto Irmã Florisbela Ignácia Bordaberry dirigia o Ford Ka azul, modelo 2014, a madre ia em silêncio pensando que tipo de pessoa ia encontrar. Ouvira referências elogiosas ao homem, mas as pessoas descreviam o que ele fazia. Elas permitiam fazer um retrato interior: era bondoso, de olhar sereno, justo e de voz doce e melódica. Mas o retrato interior nem sempre combinava com o exterior, ensinava a grande mestre da vida, a Dona Experiência.

Quando as duas chegaram ao Capão da imbuia, no endereço anotado no papel, encontraram numa esquina um velho de cócoras fumando cigarro de palha. Ele parecia ter bebido muita pinga na vida, porque tinha cara curtida de ex-cachaceiro. Ele estava bastante avariado e ainda fumava palheiro do qual saía aroma nauseabundo. Madre Belarmina desceu do carro e com expressão severa se encaminhou para falar com o sujeito, porque era o único na rua naquela manhã. “O Senhor sabe onde mora o Sr. Archimedes da Silva?”, perguntou. O velho olhou desconfiado a religiosa e respondeu com uma pergunta: “O que a senhora quer com ele?”. Madre Belarmina não gostou do tipo, não gostou da pergunta e também não gostou do palheiro.

E ficou com vontade de procurar a casa sem ajuda. Mas disse: “Isto é negócio meu com ele”. O velho deu outra baforada no palheiro e disse: “Tenho certeza de que ele não tem nenhum negócio com a senhora”. A resposta deixou Madre Belarmina ainda mais ressabiada. Interiormente, claro, porque não ia demonstrar sentimento nocivo de forma exterior, não combinava com sua atividade. Ela achou absurda a resposta do velho. Quem era ele para julgá-la? Mas indagou docemente: “E como é que o senhor pode ter certeza disso?”. O velho respondeu: “Porque eu sou o Sr. Archimedes e tenho certeza de que não a conheço”.

Foi um golpe. Ela ficou sem fala. Aquele velho imprestável, com cara repulsiva de ex-cachaceiro era o homem por quem nutria profunda admiração. Madre Belarmina teve que fazer grande esforço para disfarçar a decepção. Ela olhou para o chão procurando as palavras, mas não tinha palavras no chão. Ela olhou para o céu, mas naquela manhã o céu também não tinha palavras. Então teve que se virar: “Eu sou Madre Belarmina e ouvi falar bem do senhor”. O velho continuou agachado fumando o palheiro, como se as palavras não tivessem a menor importância. A religiosa continuou: “Me disseram que o senhor é generoso, solidário, faz coisas para as pessoas, ajuda os pobres, tudo sem pensar em recompensa”.

Finalmente o velho bateu no cigarro de palha com o dedo indicador, para as cinzas caírem. Ele pensou um pouco e disse: “Eu faço isto mesmo!”. Disse de um jeito como se o que fizesse fosse bobagem. A madre indagou: “Por que faz isto?”. O velho voltou a dar uma baforada no cigarro. Ele respondeu: “Porque eu sou um cara mau”. Outro choque para a religiosa. Ela não entendeu. Ela olhou no rosto procurando traço de ironia e não encontrou. Ela gaguejou: “O senhor é um homem mau?”. O velho disse: “Sou. Eu sou invejoso, sou raivoso e sou revoltado. Eu olho o vizinho e vejo que ele tem carro novo e no meu quintal não tenho. Outro vizinho é aposentado pelo Tribunal de Contas e eu não sou. Para não pensar no carro do vizinho, na aposentadoria do outro, eu faço alguma coisa para ocupar a minha cabeça. Vejo moça bonita perto de mim e ela nem me dá bola. Eu volto para casa é a Maria que está no fogão. Cinquenta anos de casados. Ela triste e eu velho. Para não ruminar minha tristeza eu ajudo alguém. Passa o tempo. É por isso que faço estas coisas”. Madre Belarmina ouviu estarrecida. Ela não quis ouvir mais. Ela disse: “Bom dia”. E foi embora, arrependida de ter ido ao Capão da Imbuia. Não ganhou nada. E ainda perdeu um santo. Aquele que imaginava existir. E não existia.