De vez em quando, quando eu quero recordar a atmosfera da primeira metade dos anos 60, quando era pré-adolescente, eu ouço o twist. Eu fecho os olhos e vejo um mundo que se perdeu e que hoje poucos sabem que existiu. Basta qualquer sujeito que gosta de música dar conferida que vai perceber que o twist foi uma das maiores sensações musicais da segunda metade do século 20 – mais precisamente um troço que explodiu no começo dos anos 60, quando o rock dava certos sinais de cansaço e ninguém suspeitava que os grupos ingleses Beatles e Rolling Stones fossem dar uma revigorada sem precedentes no gênero, que atropelou todos os outros ritmos na preferência da juventude.

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O twist era bacana. Chubby Checker era o cara, embora gordo, feio e saltitasse feito uma bola de basquete. Chubby rebolava bem e mandava melhor no vocal. No twist o cara não precisava ser bonito que nem o Elvis Presley. Tinha que mandar bem no vocal: Chubby fazia de sobra. Talvez um dos problemas do twist fosse isso, não teve ninguém além de Chubby para segurar a rojão. No entanto, não deixa de ser tentador recordar Charles Darwin em seu antológico estudo a Origem das Espécies. Algumas espécies – neste caso, ritmos – são até favoritas em determinadas épocas e contagiantes, mas como numa corrida de cavalos, o importante é chegar primeiro. E se tropeçam pelo caminho, acabam esquecidas. 

Eu acho que isto aconteceu com o twist. Dos ritmos atropelados pelo rock – que tinha grande parafernália cultural pop e apelo às massas ignaras e se apoderou de bandeiras musicais revolucionárias dos anos 60 – eu acho que o caso do twist foi o mais cruel. Alguns ritmos como o reggae sobreviveram numa simbiose. Até o jazz estabeleceu uma relação promiscua com o rock. Mas o twist tinha muita eletricidade para aceitar uma parceria que o condenasse a condição subalterna e foi devorado. Apareceram outros ritmos naqueles anos como o chá-chá-chá. No entanto, nenhum tinha a eletricidade do twist. Maior que a do rock. E, assim, se ferrou.

O twist dispensava apelo às drogas, ao protesto político e às questões transcendentais e ervateiras, para as quais o rock pagava pedágio. O twist dava conta do recado sozinho se requebrando. Para dançar o twist era preciso ter estrutura óssea e muscular em dia porque ele propunha ao ser humano se transformar numa enguia enlouquecida. E quem se transformava não tinha do que reclamar porque havia mil garotas se contorcendo ao redor ao mesmo tempo. O diacho é que o rock matou o twist à luz do dia e nem abriram inquérito policial para investigar o delito. Mas quem que não teve a oportunidade como eu tive de ver uma garota dançar twist, não sabe o que perdeu. As danadinhas pareciam que comeram meio quilo de pimenta malagueta e estavam tão felizes como fossem ganhadoras do Grande Prêmio da Loteria Federal. O twist era alegria pura.

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Eu acho que o twist foi uma tardia e bem sucedida, porém pouco duradoura resposta anglo-saxônica ao contorcionismo sexual proposto pelo tango argentino. Enquanto no tango a coisa evolui num ritmo lento e vertiginoso tipo Bolero de Ravel, no twist o negócio vai como uma locomotiva doida pra chegar à estação. E sem contar que aquilo devia fazer um bem danado para o corpo, porque não conheço academia que consiga botar uma dona para se movimentar de forma tão alucinante e devoradora de calorias quanto o twist. Se eu fosse defender uma tese acadêmica sobre as origens do twist eu diria sem ficar ruborizado que o twist foi o resultado de uma traquinagem de alguém que jogou pó-de-mico sobre um bando de dançarinos clássicos que para não perderem a compostura, saíram se requebrando e dizendo, porque não tinham algo melhor: “Let’s twist again”. E todo mundo achou que nascia uma nova forma de expressão corporal.