A pizzaria estava cheia de encomendas. Cadu saia às 20 horas. O diacho era o sujeito que ia entrar no lugar dele não aparecer porque a mulher ganhou nenê. O gerente não quis saber e pediu para Cadu espichar o horário que o movimento estava bom. O motoboy esclareceu que estudava teatro e foi convidado pela direção da FAP para debater teatro contemporâneo às 21 horas. Cadu disse que seria às 20 horas, mas como trabalhava à noite, pediu para a direção da escola mudar o horário. “Ela fez por minha causa. Não posso falhar”, disse. O gerente sabia que Cadu terminava curso de teatro na FAP, mas o que importava para ele era a pizzaria. Ele disse: “Você está de brincadeira! Que porcaria é esta de teatro contemporâneo, Cadu? O pessoal quer comer pizza, ninguém come teatro contemporâneo. Isso não enche barriga e ninguém toma com Coca-Cola”. Era um argumento e tanto, mas o sonho de Cadu era ser ator.
Na realidade, ele também não ligava muito para o teatro contemporâneo, ele queria era ser galã de novela na Rede Globo. Mas, para chegar lá, o teatro contemporâneo podia ser útil. Agora, Cadu também não ia discutir com o gerente. Ele quebrou galhos e os dois estavam na pizzaria há anos, desde que Cadu veio de Londrina, onde tentou fazer teatro e não conseguiu porque os caras diziam que ele era chato. Ele até insistiu: “Mas eu tenho ou não tenho talento?”. O diretor respondeu: “Não tenho a menor ideia se você tem talento. Mas você é chato e o pessoal não gosta de gente chata”. A resposta derrubaria qualquer um, menos Cadu que viu na resposta uma luz no fim do túnel. “Se ele não disse que eu não tenho talento, então eu tenho talento”, foi o que pensou.
E na capital quem o abrigou? Foi o gerente da Pizzaria Pizza na Fulô, o Ganimedes. Por isso não ia largar o cara na mão. Ele disse: “Só faço mais uma viagem, volto aqui e vou para a FAP”. O gerente disse tudo bem, mas encheu a moto de pizza, com um monte de endereços. Cadu voava baixo na ronda noturna, entregando pizza mais rápido que encomenda do Sedex. Na última estava de bico aberto, um carro fechou, ele perdeu o controle, a moto foi para o chão e a pizza voou. Caiu na calçada, e a caixa no outro lado. Ele pegou a pizza com a mão, tirou um pouco da sujeira que grudou nela, botou na caixa de novo e foi para o endereço. Chegou suado. O porteiro chamou o cara e ele em vez de buscar, fez o entregador subir. Ele chegou lá em cima uma fera.
O cara era um bacana chamado Peçanha, que também tinha compromisso, mas queria comer pizza. Todo frescalhão. Pior. Disse que não tinha troco. “O gerente falou que você tinha”, resmungou Cadu. Peçanha disse que foi conferir e não tinha. Cadu disse que ia levar a pizza de volta. Peçanha disse que a pizza era dele. O bicho pegou no apartamento. Cadu disse: “Me dá o dinheiro que eu descolo o troco”. Peçanha quis saber como. Ele disse: “Me dá a grana que eu te mostro”. Peçanha entregou, Cadu pegou o dinheiro e caiu fora. Desceu as escadas. Lá embaixo o porteiro esperava, ele mergulhou no meio das pernas do porteiro e saiu do outro lado. Subiu na moto, voltou para a pizzaria, onde deixou a grana da entrega das pizzas.
O gerente disse que Peçanha ligou e estava uma fera. Cadu disse que explicava depois. Ele foi para a FAP. Chegou suado, arranhado e sujo. O professor disse: “Cadu, mas você está estropiado. Não pode participar de um debate assim!”. Cadu disse: “O que eu faço é puro teatro contemporâneo”. O diretor ficou sem resposta. Cadu foi para o anfiteatro. A coisa ia começar. Quando chegou ao palco quase teve um troço. O teórico do debate era o Peçanha. E antes de ser anunciado pela professora da FAP, ele partiu para cima de Cadu: “Eu quero o meu troco, seu cachorro!”. Cadu tentou pacificar: “Mas você já comeu a pizza?”. Peçanha não respondeu. Atarracou com Cadu. A professora não sabia se interferia, porque aquilo, para ela, era teatro contemporâneo. Quando os dois, finalmente, ficaram de pé de novo, a plateia, por via das dúvidas, aplaudiu e pediu bis. Cadu agradeceu. Peçanha arrumou a gravata e limpou a sujeira.