Eu deixei a Biblioteca Pública do Paraná no começo da tarde de ontem pensando nos velhos tarados de Curitiba e suas vítimas, ora inocentes ora nem vítimas, porque no segundo caso eram garotas que fugiam com noivos ou namorados. Situações que inspiraram dezenas de belos contos de Dalton Trevisan. E presumo que entendi porque o escritor não se afeiçoa com a Curitiba de hoje. Eu tenho o hábito de ir ao segundo andar da biblioteca para ler edições antigas de jornais de Curitiba como o Diário da Tarde e a Tribuna do Paraná. O primeiro é pródigo em descortinar a cidade nas primeiras décadas do século passado – e a Tribuna faz o mesmo em relação à segunda metade do século 20.

continua após a publicidade

E impressiona como os tarados eram notícia. Sempre havia notícia de um tarado local e quando a safra local não andava boa, o recurso era recorrer a tarados de outras cidades e estados, até estrangeiros se a notícia fosse especialmente bizarra. Na realidade, eu estava em busca de informações sobre os jogos do Clube Atlético Ferroviário no final de 1959, quando me deparei com este título: “O número de tarados na cidade aumenta assustadoramente”. Depois de ler um título deste, até um ferrenho torcedor do glorioso Boca Negra para e lê a reportagem. Para saber como o redator chegou a esta conclusão. Certamente ele recebia todos os dias informações de abordagens sexuais bem sucedidas ou não. Mas no dia anterior, 29 de dezembro, ele recebeu três casos que o levaram a concluir que proliferavam “tarados” pelas ruas da cidade.

Alguém pode até contestar: “Três casos? Só?”. Mas Curitiba, naquele tempo, a Curitiba da juventude de Dalton Trevisan, devia ter entre 15 a 20 por cento da população atual. Três casos eram muitos e a conclusão não era despropositada. Fui conferir. O primeiro caso aconteceu no Cristo Rei, quando a jovem Jucineia (que morava na Avenida Iguaçu), foi abordada por dois desconhecidos que lhe fizeram propostas indecorosas e a convidaram a subir na camionete com placas 3-34-01 para ser deflorada. Como a moça recusou a proposta, os dois desconhecidos tentaram convencê-la mediante o uso da violência. A polícia saiu no encalço dos “sádicos indivíduos”.

No segundo caso, a jovem Hemengarda, que foi atacada de meningite quando criança e em razão disto não tinha gozo pleno das faculdades mentais, foi deflorada pelo patrão Frederico de Tal que ainda ameaçou a moça de morte cruel se ela contasse para alguém o ocorrido. O jornal não contou como a polícia descobriu. Mas o tarado Frederico de Tal se deu mal. O terceiro caso envolveu o jovem Reginaldo Kapfen, de 19 anos, que raptou a menor S.R.S. da casa de sua madrasta e perambulou com ela pelas ruas da cidade durante dois dias. O casal pernoitou num descampado perto do Juvevê, ocasião em que praticaram atos libidinosos sem, no entanto, ocorrer o defloramento da jovem. No domingo eles foram para Campo Largo, passearam, se divertiram e então Reginaldo deixou a garota na casa de sua tia no bairro das Mercês.

continua após a publicidade

Quando o agente Cavalcante intimou o jovem Don Juan a explicar seu ato, ele disse que a madrasta maltratava a garota, que ele gostava da menina e que pretendia desposá-la. Resumindo, fez tudo por amor. Aliás, chamar o moço de tarado é até um exagero. Depois de ler esta noticia, eu deixei o caso do Ferroviário um pouco de lado e fiquei perscrutando as edições de outros dias do mesmo mês. Uma empregada doméstica brigou com o noivo e pôs fim à vida. Era um tipo de situação comum antes dos anos 60: o conquistador prometia casamento mediante prova efetiva de amor, geralmente num hotel discreto e barato do centro da cidade e depois de a moça depositar no Don Juan toda a sua confiança, este a abandonava. E para não viver com a fama de desonrada, a pobre coitada sucumbia a um gesto desesperado. E havia outras histórias de desespero e paixões. Tudo Dalton Trevisan. Com a vantagem que o escritor tem estilo refinado, dá mais detalhes e a história é completa. Eu cheguei à conclusão de que não tem como conhecer a velha Curitiba sem os jornais antigos e o velho Dalton.