Hoje não é um dia qualquer para Arno Schuster. Hoje faz dezoito anos que ele conheceu Lavínia Rossini num Água Verde-Abranches, quando a garota estava com 17 anos e vinha do Colégio Estadual do Paraná. A amiga se despediu: “Até amanhã, Lavínia!”. Ele olhou, ela percebeu e fechou a cara. Ele sorriu, ela murmurou, mas ele ouviu: “Velho safado!”. Ele não era jovem, mas estava longe de ser velho e não era safado. Com 37 anos tinha lenha para queimar. No entanto, ficou envergonhado. Medo de alguém ter ouvido. Depois daquele dia se limitou a olhar Lavínia de longe. Olhares de angústia nos dois primeiros anos. Nos posteriores se limitou a lembrar de que na cidade havia uma garota de nome Lavínia Rossini, que morava no Abranches e que não deu a ele nenhuma chance.
Ele só queria dizer: “Garota, o seu rosto é o de outra Lavínia muito linda”. Era conversa mole, mas verdade. O rosto de Lavínia Rossini era parecido com o de Ava Lavínia Gardner, conhecida como Ava Gardner. A mulher para quem Ernest Hemingway cunhou a célebre frase: “O animal mais bonito do mundo”. Mas ele não teve chance. Ele olhou de longe as semelhanças e diferenças entre uma e outra. A primeira era alta, magra e longilínea. A primeira foi atriz, que já morreu e antes de morrer, foi mulher de Frank Sinatra e virou alcoólatra. Mas era linda. A segunda também era linda. Morena como a primeira, olhos amendoados, como a primeira, nariz longo e boca carnuda, como a primeira. Ele parou de prestar atenção depois que ela começou a namorar o Bruno, que trabalhava numa agência de publicidade e era meio doidão.
Algum tempo depois Bruno foi para a Inglaterra e ela namorou Rodrigo que trabalhava numa loja de motocicletas. Rodrigo se acidentou, quebrou a perna, perdeu um olho e ficou manco. O namoro acabou. Lavínia namorou Nestor pouco tempo e Vanuti, que foi revelado pelo Paraná Clube e foi jogar em Portugal, onde casou com modelo tcheca. Arno perdeu interesse nos namoros de Lavínia porque a certa altura ele achou que ficou velho para olhar garotas púberes e também Lavínia não era mais a garota parecida com Ava Gardner que conheceu. As nádegas ficaram volumosas, as pernas fortes, a barriga cresceu e caía sobre a calça jeans. Os seios ficaram grandes. Além disso, se era para olhar mocinhas bonitas e não chegar perto de nenhuma, havia todos os anos uma nova safra interessante para os olhos, já que o corpo e o espírito não entravam na jogada.
Hoje é 29 de novembro de 2014. Ontem, mais uma vez num Água Verde-Abranches, mais uma vez no sentido cidade-bairro, Arno viu Lavínia Rossini. Estavam no ponto da Santa Casa. Era fim de tarde. O dia fora quente e a noite se aproximava embalada por um friozinho gostoso. Uma mulher apareceu no ponto e Lavínia conversou com ela. Quando ela foi embora, Lavínia o olhou. “Como vai o senhor?”, perguntou como fossem velhos amigos. Foi a primeira vez que falou com ele depois daquele dia em que o chamou de velho. Ele respondeu: “Tudo bem”. Ela fez comentários banais: que o ônibus demorou, morava no Abranches, jogava lenha seca na fogueira de uma conversa que ele, agora, não tinha interesse. Finalmente o ônibus chegou.
Arno pensou em deixá-la subir primeiro, para caso de ela ficar antes da catraca ele passar e em caso contrário, de ela ir, ele ficar. Mas ela pediu para ele subir. Ele subiu, pagou, passou e sentou. Ela fez o mesmo e sentou ao lado. Ela foi direta e perguntou: “O senhor é casado?”. Arno, com suor na testa, disse não. Ela disse: “Eu também não”. Ele comentou: “Algumas pessoas são, outras não”. Ela arrematou: “Mas é bom a gente ter alguém com quem passar os anos”. Aquilo podia ser nada, mas podia ser uma sugestão. Ele se lembrou da música “Com o passar do tempo”, que diz: “O mundo sempre dará boas-vindas aos amantes”. Ele pensou: “Não neste caso”. Eles não eram mais os mesmos. Eles perderam dezoito anos. E, agora, ele era velho. Antes de ele descer no Taboão, ela perguntou: “Qual o seu nome?”. Ele respondeu: “Arno”. Ela disse que se chamava Lavínia. Ele não teve coragem de dizer que um dia ela se pareceu com Ava Gardner.