O mendigo sibarita e a sua misteriosa noite de excessos sexuais

Desci do ônibus perto da Praça Tiradentes e mal andei alguns metros, um mendigo me abordou. Era alto, careca se anunciando além da testa como erosão num pedaço de terra fértil. Ele não estava sujo, tinha aparência indolente e usava camisa curta. Ele disse: “E daí, parceiro? Arruma uma grana para eu comer um bom sanduíche, que preciso repor as energias depois de uma noite de sexo cheia de excessos”. Exatamente assim. Noite de sexo cheia de excessos. Frase bem construída e direta. A princípio pensei que fosse gozação, mas foi o que ouvi. Eu não tinha trocado e menos ainda grana para ele comprar “um bom sanduíche”, embora não soubesse o que ele queria dizer com “um bom sanduíche”.

Eu disse que não tinha e fui em frente. Mais adiante, defronte da agência da Caixa Econômica que virou mendigódromo, cinco ou seis ainda estavam deitados cobertos, uns colados aos outros, certamente para se aquecerem. Tem gente que acha que mendigos dormem juntos porque são promíscuos. Mas não é assim. A física explica: o calor de vários corpos juntos é proporcionalmente maior que o de um só. A velha teoria da união faz a força aplicada à física. No caso seria a união esquenta mais. Um dos mendigos deitados na frente da agência pediu para uma velha que passava: “Me dê uma moeda para eu tomar um café”. A velha abaixou a cara enfezada e resmungou: “Eu sei o café que você quer tomar. O nome dele é pinga”. E foi embora humilhada e ofendida. Os mendigos riram.

Na Rua Monsenhor Celso uma dúvida me atormentou: “Será que o primeiro mendigo cometeu excessos sexuais durante a noite ou não passava de um galhofeiro?”. Afinal, foi uma noite fria. Com certeza ele não foi a um hotel ou motel. Ou foi? E fazer sexo na rua de madrugada parece desconfortável e pouco romântico. Tentei imaginar quem foi a hetaira que se amancebou com aquele sibarita. Nada me ocorreu. Nada a não ser conjeturar que o mendigo mentiu. Mentiu porque cansou de pedir e não ganhou. Admitir que ele mentira resolvia o problema. O diacho era que eu não tinha certeza. Adiante encontrei outros três mendigos. Estavam enrolados em cobertores até a cabeça. Entre as ruas XV de Novembro e Marechal Deodoro eu parei de pensar em mendigos porque veio até as minhas narinas o forte odor de urina de pessoas que se aliviaram na rua durante a madrugada. Apressei o passo e caí fora.