O homem que conquistava as estrelas

O amigo Mário Fragoso especulou dia destes neste lamentável muro das lamentações em que se transformou o Facebook, o que faria o cineasta Glauber Rocha nos dias de hoje no Brasil, ele que era um iconoclasta. Eu não consegui imaginar o que Glauber faria e em que lado estaria, porque ele também era imprevisível. O mundo e o Brasil mudaram tanto que pessoas que diziam uma coisa há dez anos, hoje dizem outras e vice-versa, sem contar o assim por diante. Esta passagem me veio à cabeça ontem novamente quando entrei num sebo e de longe vi um livro com capa vermelha, semelhante a cara de alguém iluminado por luz vermelha de boate dos anos 70. Eu fui pegar o livro para dar uma olhada, porque o jornalista e escritor Nelson Motta escreveu uma biografia sobre a juventude de Glauber Rocha intitulada “A Primavera do Dragão” e a capa era parecida com aquela.

Para minha surpresa, o livro era também uma biografia, mas do jornalista Tarso de Castro, curiosamente amigo de Glauber Rocha e que também morreu relativamente cedo. Glauber morreu em 1981 com apenas 42 anos e Tarso de Castro dez anos depois de cirrose hepática, com 49 anos. Glauber que amanhã faria 76 anos produziu alguns clássicos do cinema brasileiro como “Deus e o diabo na terra do sol” e “Terra em transe”. Tarso fez jornais, deixou histórias surpreendentes, além, claro, de ingerir uma quantidade espantosa de álcool e de conquistar uma lista interminável de mulheres. Uma das mais estonteantes e surpreendentes foi a conquista da atriz norte-americana Candice Bergen, que namorou Henry Kissinger e foi casada com o cineasta francês Louis Malle.

A história deste namoro é tão fascinante ou absurda quanto o próprio. Tarso era um sujeito bem apessoado, Candice ficou de olho nele quando o viu no Antonio’s, bar da intelectualidade carioca nos anos 70. Ele teria mostrado uma foto de Ernesto Che Guevara e disse sem nenhuma ponta de ostentação que tinha lutado ao lado do famoso guerrilheiro e de Fidel contra Fulgêncio Batista. Isto sem saber falar inglês. Ela ficou impressionada e se apaixonou. Conquistar mulheres era algo corriqueiro na vida de Tarso de Castro. Assim como beber desenfreadamente. Além destas atividades lúdicas, ele também trabalhava. Era jornalista. E foi um dos mais criativos e revolucionários de seu tempo.

Foi ele quem convocou a nata da intelectualidade carioca no final dos anos 60 para fundar “O Pasquim”. Convocação feita quase totalmente nos bares da cidade. E foi ele quem catapultou as vendas da “Folha de S. Paulo” no meio dos anos 70 ao criar o suplemento “Folhetim” depois de muitos jantares com Octavio Frias no restaurante Rodeio. Tarso era polêmico, indomável, inquieto e antes de morrer ainda criou outras publicações como “Careta”, “O Nacional”, “Enfim”, além do “Jornal de Amenidades” (JÁ). Era totalmente alheio ao que os outros pensavam no que se refere a comportamento. Gaúcho, chocou os gaúchos ao beijar Caetano Veloso na boca. Tinha afeto quase filial por Leonel Brizola.

Fiquei quase uma hora lendo pedaços do livro até que o comprei temeroso. Temeroso porque os livros que chegam em casa enfrentam a dura concorrência de outros que estão sobre as mesas lidos pela metade, esperando o fim da leitura. Ou então candidatos à releitura total ou parcial. Mas não podia interromper e deixá-lo, até porque é um livro de leitura rápida. Eu que cheguei em São Paulo quando Tarso estava saindo do “Folhetim” e deixando para atrás o alvoroço que fica à passagem de um furacão. Depois que fechei o livro e voltei para a redação pensei, assim como Mário Fragoso: se Tarso de Castro estivesse vivo que tipo de coisa faria hoje. O que acharia do ping-pong político, das lamúrias intermináveis nas redes sociais. Assim como ocorreu com a pergunta de Mário a respeito de Glauber, eu não tenho a menor ideia. Talvez existem lamúrias intermináveis e abundantes porque são escassas pessoas criativas, produtivas e polêmicas como Glauber Rocha e Tarso de Castro. É um palpite. Talvez não. Alguns ficam na charneca. Outros miram as estrelas.