O homem elegante pedia dinheiro para viajar

Eu esperava o ônibus da Viação Garcia para Curitiba na Rodoviária de Maringá, quando um homem apareceu na minha frente e perguntou: “O senhor não gostaria de inteirar o dinheiro de minha passagem, por favor?”. A voz era baixa, fala quase mansa, expressão de homem educado. Naturalmente eu já ouvi este pedido muitas vezes, de mulheres com crianças no colo, de homens com expressões de desespero, algumas profissionais, outras verdadeiras. Claro que no meio tem gente que dramatiza para pegar um troco e claro que tem muitos casos reais. O diacho é que a gente nunca sabe quando o pedido é justo ou não passa de ardil. Como ninguém vai comprar a passagem para o sujeito, porque é normalmente cara, não fica sabendo.

No caso do sujeito à minha frente ele parecia não estar mentindo. Ele queria dinheiro. No entanto havia algo surpreendente. Quase surrealista. Ele estava com três malas, uma maior, uma de tamanho médio e outra pequena. Cada uma mais bonita que outra. Olhei para os pés do sujeito e ele usava sapatos de couro de jacaré brilhando de novos e mais chique que os de George Clooney. E aqueles sapatos não tinham tipo de armação de chinês, pareciam verdadeiros. Sapatos finos. A calça era fina. O paletó marrom, com gravata escura e camisa azul claro bonita. E para coroar, um capote de pele. Eu fiquei tão perplexo com a elegância do sujeito que fiquei sem palavras para dizer que não tinha dinheiro para inteirar a passagem dele.

Depois que ele foi embora eu caí em mim e desconfiei porque nem abri a boca. Eu não sabia para onde ele ia. E não sabia quanto precisava. Com toda aquela elegância eu não poderia correr o risco de dar alguns trocados, tipo dois ou três reais. Este dinheiro se dá para um mendigo, não para um homem elegante. Afinal de contas, era grana tão curta que mal dava para pagar o engraxate para lustrar seus sapatos. E aqui eu faço um pit stop. Eu não chamo mais nenhum engraxate de engraxate. Eu fui com o Felipe Rosa na Boca Maldita e disse para o engraxate que ele era engraxate, o sujeito jogou a escova no chão com fúria, me olhou com cara de quem não gostou e disse: “Aí, foi mal, hein tio!”.

Ele já me chamou de tio para me sacanear. Tipo assim: “Escuta aqui, seu Mané, você gosta que eu te chame de tiozinho?”. Nenhum tiozinho gosta de ser chamado de tiozinho. Depois o cara da Boca Maldita me corrigiu e me ensinou a falar o verdadeiro português contemporâneo: “Eu não sou engraxate porra nenhuma, eu sou lustrador de calçados”. Bem, aprendi mais uma. Então, veja bem, se eu levei uma descompostura do lustrador de calçados porque o chamei de engraxate, imagine você leitor o que me diria aquele elegante homem, cuja idade eu estimei entre 25 e 35 anos, se eu lhe desse uma quantia em dinheiro que ele julgasse não estar à altura de sua elegância. Hoje em dia está complicado até para praticar a caridade.

Como eu disse que não tinha, ele foi em frente, altivo, como o príncipe de Mônaco e eu continuei observando-o como fosse caipira de Pirapora. Claro, eu sei que um sujeito elegante pode de repente ficar sem grana e deve ser muito pior para ele com toda aquela elegância ter que pedir dinheiro para inteirar uma passagem. O maltrapilho não convence ninguém que vai a algum lugar. O elegante convence. Para o maltrapilho o sujeito dá dois ou três reais e fica com consciência leve, pensando cheio de cinismo: “Fiz uma boa ação hoje”. Com o elegante isto não funciona. A grande verdade é que eu não cheguei à conclusão nenhuma. Eu fui embora sem saber se o homem elegante conseguiu completar a passagem e fiquei com vergonha de não poder tê-lo ajudado. De nem ter tentado. Eu acho até que me sentiria meio orgulhoso de ajudar um sujeito elegante a chegar a seu destino. Quando cheguei aqui na Redação e contei o caso para J. Bressan, ele, com toda sua sabedoria rústica, riu e disse que eu era otário. Que aquilo era golpe. “Ele foi num brechó, enfeitou-se todo e estava dando um golpe nos incautos, como você”, disse. Eu não pensei nesta hipótese. E ela não me convenceu.