Eu tenho alguns livros autografados por grandes escritores brasileiros, como Antônio Calado, Gilberto Freire, Autran Dourado, Orígenes Lessa, entre outros, que comprei no final de 1997, no Fígaro, um sebo que havia na esquina da Rua Mateus Leme com a Rua Carlos Cavalcante. Na época, este sebo comprou parte do acervo das bibliotecas que pertenceram a dois grandes intelectuais paranaenses: David Carneiro e o crítico Temístocles Linhares. Os livros com dedicatórias aos quais eu me refiro em sua maioria foram autografados pelos autores das obras para Linhares, que foi um homem original. Ele era intelectual ligado por laços familiares à indústria do mate, sobre a qual escreveu um livro chamado “A História Econômica do Mate”. E também foi professor e crítico literário, com atuação nacional.

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Eu conheci Linhares apenas como leitor, através de seu livro “Paraná Vivo”, cuja primeira edição foi publicada em 1953 e era uma tentativa de compreender o estranho processo de formação de nosso estado. Na época em que ele escreveu, o Paraná estava em numa rápida e febril consolidação do povoamento de seu território, em especial na região Norte, com a cultura cafeeira. Mais recentemente, há coisa de dez anos, a Imprensa Oficial publicou mais uma obra de Linhares – Diário de um Crítico, em seis volumes. Edição postura, claro! Antes, as derradeiras tinham sido publicadas em 1978. Ele deixou um legado superior a vinte livros publicados, alguns deles em vários volumes.

Um belo dia, Temístocles Linhares foi para o Uruguai, onde morreu em 1993, aos 88 anos. A sua última cidade foi Montevidéu. Pode soar estranho, mas não é: Linhares tinha queda pela região platina. Talvez tenha sido um dos primeiros brasileiros a compreender a importância da literatura hispano-americana, em especial a argentina, algo que se tornou carne-de-vaca no final dos anos 60, com o boom da literatura latino-americana. E isto ocorreu porque a sua formação literária se consolidou em Buenos Aires, aonde foi várias vezes e onde fez estudos especializados sob a direção de Ricardo Rojas, escritor, historiador e crítico literário argentino, um dos principais expoentes de uma vertente literária denominada crioulismo. Rojas, segundo Jorge Luís Borges, era tão radical em sua afirmação autóctone que chegou a defender a canonização de Martin Fierro.

Este conhecimento credenciou Linhares a ser professor de literatura brasileira e também hispano-americana na Universidade Federal do Paraná e por dois anos na Universidade de Coimbra. Linhares também foi um crítico literário com trabalhos publicados pelos melhores jornais brasileiros da época, do Rio de Janeiro e de São Paulo, como Correio da Manhã, A Manhã, Folha da Manhã, Diário de São Paulo e O Estado de S. Paulo. Além de participar de revistas literárias. Uma delas, antológicas, que foi a Joaquim, editada em Curitiba por Dalton Trevisan. Mas não se fala muito em Linhares. Seria fácil dizer que o Paraná não trata bem seus rebentos. Mas, neste caso, talvez seja esta linhagem estranha da literatura, o crítico literário.

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Os mais notáveis contribuem para consolidar carreira de muitos escritores, embora também afundem a de outros, mas poucos são conservados em relevo na memória literária. E mesmo os grandes são evocados por pessoas ou muito velhas ou muito eruditas. Dá para se contar nos dedos da mão direita o número de leitores de Silvio Romero, José Veríssimo, Otto Maria Carpeaux, Sérgio Milliet e o grande Álvaro Lins, meu preferido. Não seria diferente com Linhares. O que não deixa de ser lamentável. De certa forma, uma pequena parte da história de Linhares ficou comigo. Alguns daqueles livros que lhe foram enviados por amigos, com dedicatórias amáveis, e que ele certamente cultivou. Ás vezes eu os abro com o único intuito de compreender o elo que havia entre autor e crítico. Entre escritor e amigo. Mas nada disso transparece. A amizade e a admiração literária também interessam pouco depois da morte.