O grande resgate não foi feito

Nesta quarta-feira se comemora oficialmente a abolição da escravatura no Brasil. A comunidade negra gosta tanto desta data que prefere o Dia da Consciência Negra, 20 novembro, data em que morreu Zumbi dos Palmares, um revolucionário negro brasileiro, que lutou pela liberdade de seu povo. O Brasil tem 515 anos. Na maior parte de sua história o Brasil foi um país majoritariamente negro. Melhor dizer, esmagadoramente negro. Milagre estes negros não terem empurrados aqueles brancos para o Oceano Atlântico. Negro que não tinha cidadania porque era escravo. O pintor Edouard Manet esteve no Brasil nos anos 20 do século 19 e observou: 85 por cento da população do Rio de Janeiro era negra. Quando o Brasil entrou em guerra com o Paraguai, os negros não podiam ir para a guerra porque eram escravos, propriedades. Então criaram uma manobra jurídica (o Brasil sempre foi bom nisso): davam liberdade em troca do patriotismo, que era morrer pela pátria.

Quanto aos brancos que não queriam servir, havia outro mecanismo jurídico: podiam comprar um negro, dar-lhe liberdade se em troca ele fosse em seu lugar para morrer pela pátria. Milhares de negros morreram porque eram buchas de canhão levando as primeiras cargas da infantaria ou da cavalaria do adversário. Então a Inglaterra que condenava a escravidão porque escravo não consome mandou abolir a escravidão. E os negros sem formação profissional, sem dinheiro, sem mercado de trabalho, agora sem casa e sem comida, foram para os matos ou para os morros viverem como miseráveis num país cuja elite fazia campanha para os pobres meninos da Hungria, mas não ligava para os pobres meninos negros que morriam nas favelas.

Há muito li um trabalho de uma historiadora da UFPR baseado em arquivos da Escola Superior de Guerra. Ela descobriu que o Brasil podia construir Itaipu em seu território, mas decidiu repartir a obra com o Paraguai que não tinha um centavo. Quem revelou foi um general. “Temos que fazer isto logo antes que a dívida histórica se torne impagável”, disse. A Ponte da Amizade e facilidades aduaneiras faziam parte da iniciativa. O Paraguai não esqueceu o morticínio da guerra, mas reconheceu o gesto brasileiro feito ao custo de bilhões de dólares. O Brasil não reconheceu a contribuição negra para a sua formação, não reconheceu o dano provocado pela escravidão, não reconheceu a injustiça que foi uma abolição não seguida de medidas destinadas a integrar a população negra que ficou marginalizada. O grande resgate não foi feito.