Foi o marido da Sra. Astrid Schmidt quem despertou a curiosidade do amigo, o Sr. Frederico Brennie, sobre algo em que ele não teria interesse caso não ouvisse: “Não se iluda, meu amigo, todas as pessoas ocultam algum segredo em suas vidas”. O Sr. Walter Schmidt disse a frase misteriosa quando o outro observou que ele tinha como esposa uma mulher bonita e aparentemente perfeita. A Sra. Schmidt era jovem, bonita, elegante, educada, alegre, enfim, o tipo de pessoa agradável e amada por quem a conhecia. O Sr. Frederico a partir do dia em que ouviu a frase passou a perscrutar a mulher do amigo discretamente em busca do segredo. A procura inocente tornou-se obsessiva e ele considerou que aquilo ia acabar em mal-estar e antes que isto acontecesse, por prudência se afastou.

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Os dois eram amigos de colégio, amigos na faculdade e depois de formados. Continuaram amigos depois que cada um se casou. No entanto, a curiosidade agiu sobre a amizade como ácido. O afastamento não foi traumático porque o Sr. Frederico foi aprovado num concurso no começo dos anos 90 e mudou-se para São Paulo. O Sr. Frederico separou-se da mulher em 1994, casou-se com uma arquiteta e passou a ter notícias do Sr. Walter através de cartas esporádicas e depois de e-mails, também raros. No ano de 2002 ele foi morar em Itu. Em 2008, um amigo comum, o Sr. Victor Cansino, o avisou de que o Sr. Walter Schmidt estava doente e queria ver o amigo antes de morrer. O Sr. Frederico ficou consternado.

Além da eminente perda do amigo, ia se deparar com algo que o mortificara: o mistério sobre o segredo da Sra. Schmidt. Antes de pensar que palavras de conforto ele diria ao amigo, que tipo de conversa teria com uma pessoa que ia morrer, ele pensou como um egoísta se deveria ou não perguntar, antes que velho amigo morresse qual, afinal, o segredo de sua mulher, a Sra. Schmidt. Ele viajou para Curitiba e encontrou, como diziam antigamente, o Sr. Walter Schmidt nas últimas. “Ainda bem que você chegou. Todo este tempo senti falta do amigo. Não fosse este emprego em São Paulo, teríamos convivido a vida inteira”, disse o Sr. Walter num fio de voz. O Sr. Frederico concordou em silêncio e naquele momento decidiu não perguntar sobre o segredo da Sra. Schmidt.

O segredo cuja importância a distância e os anos tornaram insignificante, agora mais uma vez voltava a incomodar. Ele olhou a Sra. Schmidt no quarto, bela, virtuosa, sedutora, prestes a se tornar viúva, com uma máscara de dor no rosto: “Que diacho de segredo tem esta mulher?”. Suspirou e concluiu: “Nunca vou saber”. No dia seguinte, foi ao velório, antes de voltar para São Paulo. Ele encontrou os amigos do tempo de faculdade, outros do bairro em que nasceu e cresceu: o Juvevê. Mas não viu a Sra. Schimdt. Ele queria despedir-se. Afinal, fora o melhor amigo do finado. Não havia traço de cobiça no interesse em vê-la. Ele se conformara com o inevitável: o finado levava o segredo para o túmulo.

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O Sr. Frederico ficou por uma hora no velório em uma capela do Cemitério Municipal. Como a viúva não apareceu, ele decidiu ir embora. Foi caminhando lento e pesaroso, pensando que o destino reserva para todo mundo o mesmo fim de seu amigo. “Não tem como fugir. O capítulo final chega para todos”, pensou, até de forma literária. A vida termina como um livro. Com um ponto final. Enquanto caminhava, ouviu um rugido estranho, um choro grosso como um mugido. Em toda a vida não ouvira choro tão assustador. Ele não ia embora sem saber que Quasímodo contemporâneo chorava daquele jeito. Ele procurou o choro por trás de uma coluna e viu uma mulher consolada por outra. Ela estava sentada em um banco de concreto e quando o viu cobriu o rosto com um véu negro. Ele teve tempo de vê-la. Era a Sra. Schmidt. Aquele uivo de animal ferido era tão sobrenatural que o Sr. Frederico teve a certeza de ser o segredo ao qual o marido da Sra. Schmidt se referiu. Ele se afastou porque sabia que sua presença era indesejada e ele não tinha palavras para amenizar o sofrimento da viúva.