Ele com certeza não foi o mais famoso fotógrafo da longa galeria dos que se fartaram com as excentricidades de Salvador Domingo Felipe Jacinto Dali i Domènech, 1º Marquês de Dalí de Púbol, também conhecido por Salvador Dali. Melinton Casals, no entanto, foi o mais discreto e o único da referida galeria que recordo ter conhecido pessoalmente. Foi em abril de 1987, em Londrina, na casa de uma amiga em que Meli, como também era conhecido, se hospedava. Ele estava com 77 anos. Antes de ir para Londrina, ele esteve no Rio de Janeiro e Curitiba. Não era a primeira vez que vinha ao Brasil, estivera por aqui muitos anos antes.

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Os grandes fotógrafos, que fizeram fotos memoráveis, encontravam Dali uma ou duas vezes. Poucos o encontraram mais que isso. Meli passou quarenta anos retratando Dali e os seus desejos. Enquanto os demais ansiavam pela notoriedade e grandes revistas, o negócio de Meli era registrar obras, amigos que visitavam o pintor, cenas e situações para quadros. Ele foi o fotógrafo “arroz-com-feijão”, como se diz na gíria. Tudo começou num dia de 1949, quando Meli saiu de Cadaques para ir a Figueiras, onde deveria se encontrar com o pintor, para serviço não mencionado. Embora a distância entre as duas cidades não fosse grande, não era fácil locomover de um lugar para outro numa Europa devastada pela guerra e numa Espanha ainda ressentida da guerra civil. Os carros eram requisitados pelo governo. Meli chegou na casa do pintor, foi levado à sala e ninguém apareceu.

O fotógrafo ficou na sala sozinho por meia hora. Até que o espalhafatoso Dali apareceu no alto da escada com um barrete, uma bengala numa mão e uma couve-flor em outra. E anunciou: “Sou Dali”. O pintor tímido disse: “Sou Meli”. O pintor perguntou se Meli não se impressionou com a couve-flor. O fotógrafo disse que não. Dali disse que tentou impressioná-lo. Nasceu uma amizade entre os dois. Meli fotografou cavalo apoiado em duas patas e depois quando voltou para a casa do pintor ele viu o cavalo num quadro, agora colorido e bonito, em situação bizarra. “Eu saia fotografando o que ele pedia, não apenas ele. Fotografei rochas, pedras e muitas bundas de mulheres. Tirei fotos dos lugares em que passou a infância, coisas assim. As minhas fotos não são artísticas. Elas são documentais”, me revelou naquele dia em que nos encontramos.

E de tanto correr atrás das coisas que o pintor pedia, Meli acumulou um acervo de 2 mil fotos de Dali e 600 metros de filmes. A amizade também rendeu ao fotógrafo, uma coleção de 25 gravuras, boa parte com dedicatória. Meli me contou naquele dia que foi em Curitiba que surgiu a ideia de Salvador Dali criar um museu para ele na cidade de Figueiras. Meli encontrou-se nesta capital com Osvaldo Teixeira, que veio a ser diretor de museu no Rio de Janeiro. E este perguntou em qual museu espanhol havia grande número de obras de Dali. Meli respondeu que não havia um museu com grande número de obras do pintor. Chegando na Espanha, Meli contou o caso a Salvador Dali e disse que ele teria que providenciar o envio de grande número de obras para um museu espanhol, para serem vistas pelos turistas.

Dali pensou e disse: “Em vez de mandar quadros meus para um museu, vou construir um museu para meus quadros”. Este episódio aconteceu em 1957. A ideia de construir um museu virou obsessão. Que acabou se transformando em realidade em 1970, com o apoio do generalíssimo Francisco Franco, de quem Dali virou amigo.

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