O dinheiro congelado vai esquentar o Natal de Nancy

Nancy exclamou: “Há males que vem para o bem”. A frase é velha, mas encaixava no drama que ela passou neste segundo semestre. Drama que começou no fim do ano passado quando Valter foi despedido, não conseguiu novo emprego e passou a pedir dinheiro para a mulher. Viver com rendimentos dos dois não era maravilha, mas não era o pior dos mundos. Viver com rendimento de um ficou difícil. Ainda mais que além das despesas da casa, tinha o que ela chamou de “o dinheiro do Valter”. Dinheiro que foi ficando curto e que ela parou de fornecer. Valter esperneou, chiou, ameaçou, no entanto ele admitia ser injusto pegar a grana suada da Nancy – grana da casa – para gastar no bar.

Admitia até na hora de ir para o bar tomar cerveja com os amigos. Procurar emprego virou atividade quase inútil, cansou de procurar e cansou de não achar. A solução foi esperar Nancy ir para o trabalho e procurar pela casa onde ela escondeu a grana. Procurar grana escondida não é fácil. No entanto, depois de se especializar, fica fascinante, um desafio, tem até adrenalina. “Onde você escondeu desta vez, sua danada?”, perguntava Valter com brilho satânico nos olhos. Quando achava a grana, ele comemorava. Claro que pegava apenas parte, a do bar. Nancy chegava e ia conferir: “Valter, você não pode fazer isto! As contas não vão bater no fim do mês”. Valter já tinha tomado as beras, tinha conversado com os amigos, sabia que a mulher tinha razão e que brigar seria injusto e inútil.

Ele ficava no computador quieto jogando Dragon City, Diamond Digger Saga, estas coisas, como quem não ouvia ou via Nancy com dinheiro numa mão e a outra mão na cintura. Ela também, depois de trabalhar o dia inteiro na casa de um bacana, não tinha energia para briga. Ainda mais que sabia ser infrutífera: ela ia dormir zangada com ele, ele zangado com ela e o dinheiro não ia voltar. Na próxima vez ela teria de encontrar outro lugar ainda mais difícil para esconder o dinheiro. Que Valter ia achar. Quando em agosto recebeu de uma patroa pagamento acumulado de seis dias, ela pegou o dinheiro e veio matutando no ônibus: “Onde vou esconder a grana?”. Entrou em casa sem saber onde guardar a grana, porque Valter virou perdigueiro. Perdigueiro que farejava dinheiro.

Valter ainda não voltara do bar. Nancy abriu a geladeira para ver o que tinha para comer e teve a ideia absurda: colocou o dinheiro num saco plástico, enrolou e escondeu no congelador, atrás de uns troços que estavam lá fazia tempo. Valter voltou faceiro. Os dois foram dormir. No dia seguinte Nancy foi trabalhar e Valter foi procurar dinheiro. Vasculhou a casa. Não adiantou ficar com brilho satânico nos olhos nem usar todos os seus recursos de cão perdigueiro. Ele não achou o dinheiro. E também não foi para o bar. Ficou amuado em casa no computador. Quando Nancy voltou e o encontrou prostrado, achou que fosse coisa ruim. Valter murmurou: “Eu não achei o dinheiro”. E voltou amuado para o computador.

Ficou lá jogando Dragon City. Nancy não teve pena do marido. Ela teve repentino calafrio. Porque se perguntou: “Onde eu coloquei o dinheiro?”. Foi a vez de ela procurar pela casa inteira, para espanto de Valter e não encontrar a grana. Ela só não procurou na geladeira, porque era absurdo guardar dinheiro lá dentro. Valter sentiu o drama. Os dois iam ter que economizar mais do que faziam. Não era nem questão de apertar o cinto. Tinham que apertar tudo que havia para ser apertado. Agosto, para Nancy, foi um desgosto. Setembro não foi fácil porque teve que cobrir o buraco que agosto deixou. Outubro foi menos duro e novembro estava de novo no normal. E, domingo, ela tirou o dia para fazer faxina de fim de ano, que faz por etapas. Nancy descongelou e limpou a geladeira. E achou o saco plástico com o dinheiro de agosto. Ela chorou de alegria. Descongelou a grana, passou ferro para esquentar e guardou no fundo do guarda-roupa, dentro da bíblia. Valter parou de procurar dinheiro e não lê bíblia. Dezembro, sem décimo terceiro, mas com dinheiro congelado, não será o mais cruel dos meses. Este foi agosto. Que venha o Natal!