O dia que Rudolph sacou um par de castanholas e dançou

Um amigo disse ontem que parece que Rudolph morreu. Ele disse parece porque ouviu de alguém que ouviu de alguém que ouviu de alguém. Mas não tem certeza. Então Rudolph tanto pode estar vivo quanto pode estar morto. Ele estava em São Paulo há muito tempo, depois de sair de Curitiba, onde ficou por anos e protagonizou episódios marcantes. Muita gente sabe como ele saiu da cidade, mas poucos sabem como chegou. Ele chegou como chegam os ciganos, de repente. O que se sabe é que chegou dizendo que se chamava Rudolph Aguirre y Queiroz. Era espanhol e carregava sangue cigano nas veias. Entre a saída da Espanha e chegada ao Brasil, passou por muitos lugares, entre eles, Nova York. Eu não conheci Rudolph pessoalmente. Mas me falaram tanto dele que parecia quase um amigo.

Eu soube da existência de Rudolph quando comecei a fazer gravura no atelier do São Lourenço há mais de quinze anos. A prensa do São Lourenço era boa e um amigo disse que ela pertenceu a Andy Warhol. Ele contou uma história interessante. Um belo dia apareceu por lá um sujeito chamado Rudolph. Era alto, usava roupas de couro e dizia ser cigano. Ele fazia gravuras e queria abrir uma academia de dança e por isso estava vendendo a prensa de litogravura que pertenceu a Andy Warhol. Como a prensa era boa ela foi adquirida sem a necessidade de se confirmar se pertenceu ou não a Andy Warhol. Para efeitos práticos, de tirar cópias de uma matriz fixada numa pedra, este detalhe era irrelevante: ela tinha que funcionar e funcionava.

Como Rudolph era extravagante, todo mundo achou que ele contava lorota. E ninguém o levou a sério. Ainda mais quando apareceu no ateliê com duas castanholas e disse que tinha acabado de abrir a academia de dança e quem quisesse dançar podia segui-lo. Ele dançava flamenco. Ele bateu as castanholas e saiu dançando feito dançarino espanhol, se requebrando com violência e batendo os pés no chão também com vigor. A história terminaria aí se Rudolph não aparecesse outras vezes no atelier para contar outras histórias, que pareciam inverossímeis como a primeira, da prensa. Uma delas dava conta de que ao morar em Nova York foi amigo de Frank Stella, notável artista americano do século 20. No entanto, como a prensa funcionava bem, ninguém se preocupava em verificar se as histórias eram verdadeiras ou não. O importante era que a prensa funcionava.

No entanto, um belo dia Frank Stella apareceu em Curitiba e, quando chegou, os cicerones quiseram levá-lo a um hotel. Mas eis que o artista norte-americano disse que não precisavam se preocupar com este detalhe porque ele ia ficar na casa de um amigo: “Eu ficarei na casa de Rudolph que mora nesta cidade”. Enquanto ele falava, Rudolph apareceu na porta, ergueu o dedo e disse: “Hey, Frank, I am here”. Frank Stella ergueu a cabeça, viu Rudolph e disse: “Rudolph, you here?” Os dois se encontraram, conversaram e depois foram para a casa de Rudolph. Como num enredo de romance policial, os artistas que frequentavam o atelier de gravura franziram a testa e pensaram: “Ele disse que era amigo de Andy Warhol, de quem comprou a prensa de litogravura e ninguém acreditou. Ele disse que era amigo de Frank Stella e ninguém acreditou. Agora constatamos que ele é amigo de Frank Stella. Isto significa que a prensa do atelier realmente pertenceu a Andy Warhol”.

Claro que é um raciocínio maniqueísta, um sofisma. No entanto, diante da circunstância, foi inevitável. Então os artistas prepararam uma estratégia para confirmar as suspeitas. Mas não foi possível confirmá-las. Acontece que assim como largou a gravura para abrir a academia de dança, Rudolph largou a academia de dança e foi para São Paulo. Ele disse que tinha alma cigana e que não parava em lugar algum. De qualquer forma, se realmente a prensa pertenceu a Andy Warhol, eu posso dizer que a usei. Se não pertenceu, posso dizer é que ela era muito boa. Quer dizer, principalmente quando manuseada pelo meu amigo Lourenço, que também, assim como Rudolph, tem histórias extraordinárias.