Palmiro foi à casa da avó Rosalva Moreira, que aos 90 anos morava sozinha no Abranches e tinha a mania de dizer: “Não me deixem só! Não me deixem só!”. Os netos a visitavam. Como tinha vários, se revezavam. Sempre tinha neto na casa de Rosalva. Na sexta-feira, 13 de março, foi a vez de Palmiro. Ele apareceu com pacote do Mercadorama do São Lourenço em cujo interior havia litro de água de coco, bombons e baconzitos.

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Os baconzitos transformaram Palmiro em neto predileto de Rosalva. Com a idade a velha perdeu os dentes. A ponte móvel garantia belo sorriso, mas não o prazer de morder torresmos. Só de pensar na pele de porco crocante espiralada esperando a dentada fatal, a velha chorava de frustração. “A maior vergonha de minha velhice é não morder um pedaço de torresmo. Não tenho dentes”, lamentava.

Estava fora de cogitação chupar torresmo que nem criança chupa chupeta. Palmiro decidiu fazer algo. E fez. Ele se lembrou-se do baconzitos e levou a velha no bico. Disse que as indústrias modernas produziam um torresmo macio para os velhos. Era levar a boca e deixar a língua e a saliva fazerem o resto. “Ele derrete na boca vó”, disse Palmiro.

A velha não acreditava em milagres porque não tinha visto um até aquele dia. Mas quando colocou o primeiro baconzito na boca e aquilo derreteu na língua em contato com a saliva, que nem paçoca, ela foi feliz. Não era a mesma coisa, mas o mundo não é perfeito. Por esta razão, Rosalva queria agradar Palmiro de tudo que era jeito.

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E uma das formas que encontrou foi cortar as unhas dos dedos dos pés do neto, que cresciam sem parar. Assim que ele chegava, ela pedia para ele tirar sapatos e meias, para conferir as unhas. Se elas estavam pequenas ficava decepcionada. Naquela sexta-feira, 13 de março, as unhas estavam grandes. Ele sentou no sofá, tirou meias e sapatos, esticou as pernas sobre um banco.

Rosalva foi ao quarto e voltou com tesoura e um canivete Butterfly, daqueles usados por gangues de jovens e que ela comprou no Mercado Municipal. Tesoura para as unhas menores e canivete para decepar as maiores. Ela cortou as unhas dos pés de Palmiro e depois que terminou, fechou o canivete e com o canivete nas mãos ficou pensativa olhando o neto.

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Por fim, levantou-se, abriu o canivete e cravou no peito do neto, que só teve tempo de arregalar os olhos e perguntar: “Vó, por que a senhora fez isto?”. Não ouviu a resposta. Morreu. Na manhã seguinte, a polícia fez a mesma pergunta à velha que foi amarrada a uma escada pelos vizinhos, para não fugir.

Rosalva respondeu, enquanto cerrava os punhos num lamento inútil: “Quando eu lhe cortava as unhas me assaltou uma dúvida terrível. Será que eu tenho forças para matar uma pessoa?”. E respondeu chorando à sua pergunta: “A única forma de saber foi fazer o que eu fiz”.