O computador pira quando o assunto é kinpungulé

Há alguns dias eu escrevi sobre o twist, ritmo alucinante do começo dos anos 60. Eu acho que tive uma recaída por ritmos dos anos 50 e 60. Talvez por isso quando no começo da tarde de ontem entrei num sebo perto do jornal e encontrei um pequeno livro do escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, a quem conheci em 1988, em São Paulo, eu comprei o livro. O nome é “Delito por dançar o chá-chá-chá”, que contem três pequenas histórias. O chá-chá-chá é outro ritmo popular do começo da segunda metade do Século 20, introduzido nos anos 50 em Cuba, como variação do mambo. Assim como o twist, é dançante. O mambo, também originário de Cuba, utiliza elementos de dança espanhola e ritmos africanos. Fiquei animado e comecei a ler o livro.

Em uma das histórias encontro duas palavras de origem africana que nunca vi: tendundu kinpungulé. Como ocorre quando tenho dúvida, depois do advento da internet, corri para o computador para saber o que significavam. Não achei nada. A internet não informa os significados das expressões. Eu me acostumei com a hegemonia da rede sobre tudo e todos, fiquei decepcionado por um lado e contente por outro. É tranquilizador saber que ela não sabe tudo e que existe muita coisa por aí, fora da internet, para ser descoberta – sem internet. Isto é fantástico. Então, animado como boxeador medíocre que golpeia campeão, eu me aproximei do contendor – o computador – que estava grogue, mas continuava em pé, e sapequei mais um golpe para ver se ele reagia. Quis saber o que significava outra frase do livro: silanbaka bica dioko bica ñdiambe. Nada. O bicho foi a nocaute. Beijou a lona. Em apenas dois rounds.

Estas expressões podem não ser de uso corrente, mas Cabrera Infante as usou em seu livro “Três tigres tristes”, que é clássico da literatura latino-americana. As expressões são usadas em ritos religiosos, assim como no Brasil temos o candomblé. A internet não sabe. Eu fiquei encafifado de bobeira. Afinal, sempre procurei ser criterioso no uso da rede. Sei que ela é um caos de informações e que contém equívocos. E quando o assunto é dialetos africanos, ela é rala. Eu me lembrei de um amigo, Bidu Magrinho, sujeito curioso que não tem outro, que andou ouvindo conversa de um haitiano nas ruas de Curitiba. Existem muitos haitianos nas ruas da cidade. Eles andam sempre apressados e alegres, falando sempre ao celular, a gente nunca sabe se o interlocutor está no Boqueirão ou em Limonade, que fica no Haiti. Este amigo foi curioso, apurou o ouvido e anotou uma frase que ouviu.

Bidu Magrinho ficou excitado. Queria saber o que era aquilo. Achou que ia descortinar um grande segredo. Procurou até encontrar alguém que falasse haitiano, como ele disse, mas o nome do idioma é crioulo. Aliás, quando eu disse para ele que era crioulo, ele me olhou de cara feia, corrigiu e ralhou: “Fica falando isso, que daqui um pouco vão dizer que você é racista. Não é crioulo, é afro-americano”. Eu ia dizer que crioulo era o idioma que mistura elementos do francês com dialetos africanos, que os haitianos falam no Haiti ou nas ruas de Curitiba, mas não quis abrir uma discussão sobre o assunto. Eu fui adiante e perguntei se ele encontrou alguém que falava haitiano e ele disse que encontrou. Ele pronunciou a mesma frase que ouviu do haitiano na Praça Tiradentes e o tradutor traduziu: “Estou com saudades de minha família”.

Bidu Magrinho ficou decepcionado: “Você está de sacanagem! Aquele haitiano andava apressado na rua com o celular para dizer que estava com saudades da família?”. O tradutor disse que era. Retornando às expressões do livro de Cabrera Infante, elas foram pronunciadas num ritual de origem africana que se assemelha ao candomblé. Foram expressões iorubá, idioma da família linguística nigero-congolesa falado ao sul do Saara na África. No Brasil, o ioruba falado em ritos religiosos é chamado de nagô. Em Cuba, de lucumí. Eu acho que Cabrera Infante sabe o significado. Mas ele não entregou o ouro.