O cheiro dos mercados de peixe e a decadência de Olegário Nicanor

Quando Adeilson viu Olegário Nicanor apontar no outro extremo da calçada da Cândido Lopes, na frente da Biblioteca Pública, a primeira coisa que pensou foi atravessar a rua como quem não queria nada. É terrível encontrar amigo ou ex-amigo que caiu em desgraça. Principalmente sujeito como Olegário que foi bem de vida. Mas ele foi visto e Olegário com certeza se acostumou às táticas evasivas dos antigos amigos. Por isso não esboçou sequer um sorriso. Era um rosto desapontado e triste e um corpo de andar oscilante de quem não sabia exatamente para onde ir. Usava chapéu estranho e andava com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Adeilson pensou: “Não vai ser fácil. Vou enfrentar a parada. Não vou ser rato”. Não é fácil evitar ser rato quando a hipocrisia conspira para que seja.

Adeilson ergueu a cabeça como soldado da infantaria e marchou resoluto. Aproximou-se de Olegário e perguntou sem entusiasmo para não parecer canalha e com o comedimento que a ocasião pedia: “Olegário, meu velho, como vão as coisas?”. Olegário abriu os braços desapontado e resumiu a sua condição numa frase: “Na merda, rapaz. Estou na merda absoluta”. Adeilson disse o que qualquer um diria: “Calma, meu velho. Lembre-se de que não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe”. Adeilson não acreditava naquilo. Mas falar o quê? Olegário também não acreditava porque disse ainda que se a sentença fosse correta, como ele ficou na boa por muito tempo, provavelmente iria ficar na pior por tempo igual, o que não era animador.

A cara de Olegário era a de quem ainda não tinha comido nada. Adeilson sacou: “Vamos tomar café na Brasileira e conversar um pouco”. O convite jogou um sorriso inesperado na cara de Olegário. Os dois atravessaram a rua e Adeilson disse: “Mas você está com um chapéu muito bacana”. Olegário disse que comprou em Nova York. “Foi John Lambert quem escolheu”, disse. Adeilson fingiu saber quem era Lambert e falou que o cara tinha bom gosto. Olegário comeu quatro pastéis, dois completos e tomou dois pingados. Fome de louco! E contou a história de sua decadência. No final, resumiu: “Eu devia ter escolhido amigos como você. Hoje me arrependo. Meus problemas foram más companhias. Elas são como mercados de peixe. Com o tempo você acostuma com o mau cheiro. E quando percebe você está todo fedido”. A conversa tinha terminado. Adeilson pagou a conta e na calçada se despediu. E foi em frente agora com a consciência tranquila.