Desde setembro de 2013 uma série de pequenas histórias do cotidiano veio parar neste espaço. Era o sentido da coluna quando foi criada – e continua sendo. Colher casos que acontecem ou são ouvidos pelas ruas da cidade. Alguns, breves relatos. Outros, extraordinários. Casos de J. Bressan, lidos pelo Miro, comentados por outro leitor, numa corrente. Todo mundo tem uma história extraordinária. Num dia, por exemplo, frequentando um grande sebo, eu ouvi de uma vez três ou quatro. Todas fantásticas. Estava chovendo e a dona do sebo começou a falar sobre as coisas extraordinárias que faziam parte de sua atividade. Claro que não era todos os dias que aconteciam episódios, vamos dizer assim, memoráveis. Mas quando aconteciam, eram realmente fantásticos. Vou contar dois.

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Vamos ao primeiro. Um sujeito resolveu montar um bar no centro da cidade num velho prédio de família. O bar foi um sucesso. O sujeito se viu na obrigação de aumentar o espaço para abrigar a crescente freguesia. Ele só tinha uma área para expandir o empreendimento: o velho porão cheio de tranqueiras. Ele tirou tudo que foi bugigangas de lá, mas deu de cara com uma caixa cheia de livros velhos de cavalaria em francês. Achou que aquilo, talvez, poderia ter algum valor. Qualquer trocado já dava para abater na despesa da reforma, para transformar o porão em espaço agradável para a freguesia. Ele chamou o dono do sebo que foi lá e pagou quinhentão, grana que deixou o dono do bar feliz. O homem do sebo achou que poderia tirar o investimento. Talvez vendendo por mil reais, já que os livros eram do século 18 e havia muitas gravuras. Era nas gravuras que ele apostava tirar o lucro.

Ele procurou informações sobre os livros e não conseguiu. Deram para ele o endereço de um sebo em Paris. Ele entrou em contato e o francês pediu que mandasse fotografias por e-mail. Ele mandou e o francês disse que não garantia a compra. No entanto, enviou passagens para ele e mulher ficarem em Paris uma semana com hospedagem e despesas pagas. Só isto já transformava a compra numa loteria. Claro que ele devia levar todos os livros. No entanto, enquanto o casal passeava pela cidade, o francês fez leilão dos livros, para os quais ele já tinha comprador quando enviou as passagens. Por fim, ele chamou o nosso amigo curitibano e pagou 30 mil dólares pelos livros. Os livros eram raros exemplares sobre equitação. Um árabe desembolsou, naturalmente, uma grana ainda mais preta para ficar com os livros que apodreciam num porão de Curitiba.

Ouvi mais histórias. Mas uma especialmente me deixou encafifado. Uma mulher, viúva de sessenta e poucos anos, cujo marido de 96 anos acabara de morrer, estava jogando tudo fora. Queria se livrar de todos os vestígios do finado a quem odiava. Ligou para o sebo. O dono disse que poderia ir somente dois dias depois. Ela disse que ele aparecia em duas horas ou nada feito porque ia jogar tudo na rua. Ele foi correndo. Comprou tudo por mixaria, jogou na camioneta e levou para casa onde ia conferir o que havia comprado. Livros velhos, velhas máquinas fotográficas. E uma quantidade de potes de metal que ele não estava conseguindo abrir. Ele forçou e no solavanco um dos potes abriu e o seu conteúdo assustou o livreiro e sua mulher: eram dentes de ouro. Centenas de dentes de ouro. Que em seguida, por se tratar de pequeno tesouro macabro, foram devolvidos para a viúva, que ficou encantada por se tratar de “ouro, ouro, ouro!”.

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A partir desta segunda história, que não me saiu da cabeça, eu escrevi no final do ano passado o livro “O português dos olhos verdes”. Que publiquei em março num volume que também contém “Uma mulher muito perigosa”, folhetim que escrevi para a Tribuna do Paraná e que foi publicado entre os meses de março e agosto de 2011. O primeiro livro, mais longo, com 246 páginas, é uma narrativa do episódio dos dentes, desenvolvida a partir de interpretações diversas feitas depois que o contei a amigos. A história é ficção. E coloco em cena mais uma vez o detetive Lindomar Stenzel, personagem central dos folhetins que escrevi para a Tribuna. O livro, para quem se interessar, se encontra à venda na livraria Sebo Novo, Rua José Loureiro, 306, no centro da cidade, quase ao lado da Tribuna, ao preço de 25 reais.

Eu aproveitei par,a fazer este breve reclame do livro, porque a ocasião apareceu. Mas, na realidade, contei as histórias acima para dizer que elas foram algumas das centenas que ouvi desde que comecei a escrever esta coluna. 

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