O caso do sujeito que passou as férias no banheiro

A minha amiga Magaléa foi para o Uruguai com o seu consorte Miguel e voltou falando maravilhas de Montevidéu. Foi um relato tão entusiasmado que fiquei com vontade de conhecer a capital uruguaia. Fui, vi e voltei falando a mesma coisa. Lugar bonito, povo bacana e civilizado. Foi agradável. O Fernando Beckmann ia tirar férias e se animou: “Eu também vou conhecer Montevidéu”. Isto no final de agosto. Ele entrou em férias no final do mês e sumiu. Como disse que iria no começo do mês, calculei que já retornara. E liguei ontem à noite para o Fernando. “E aí, rapaz, como foi a viagem?”, perguntei esperando ouvir relatos interessantes. Afinal, embora eu tivesse ido, cada pessoa tem uma impressão particular e histórias diferentes para contar.

Ouvi uma voz fraca e lamuriante. Ele disse que as únicas viagens que fez nos primeiros oito dias de férias foram do quarto para o banheiro e vice-versa, porque estava com uma diarreia infernal. Ele já foi ao médico e o médico não sabe o que fazer, porque pelos exames feitos ele não tem nada. Já passou uma semana dentro de casa e pela previsão vai até o fim do mês. Eu não disse mais nada porque nada que dissesse ia resolver o problema. Que presumo ser de natureza psicossomática. É chute. Mas é o que eu acho. Quando desliguei o telefone fiquei pensando que férias é um negócio sério e não existe no Brasil nenhum tipo de planejamento. E não vou colocar a responsabilidade apenas no sujeito que trabalha e pega as férias.

As empresas também tem responsabilidade por não criar um sistema de incentivo ao planejamento das férias. Elas criam tudo que é tipo de programa e muitos deles servem apenas para chatear o funcionário e interromper o andamento do trabalho, mas um planejamento visando proporcionar o melhor aproveitamento das férias, ninguém pensa nisso. Tem gente que pode dizer: “Peraí, férias é assunto pessoal e a empresa não vai se meter nisso”. Eu acho que este tipo de resposta é escapismo. Ninguém está falando em intrometer e dar palpites, mas criar suporte para os que não têm nenhum tipo de previsão para as férias, tenham pelo menos uma ideia do que possam fazer com este tempo ocioso que existe para recarregar as energias e não passar 30 dias indo ao banheiro.

O caso do Fernando Beckmann não é único. Eu me recordo de outro amigo, isto nos anos 90, que ficou longo tempo sem emprego e quando chegou a hora de tirar férias entrou em pânico. A primeira coisa que ele disse foi: “Eu não preciso de férias, eu já fiquei sem fazer nada muito tempo”. Este tipo de comportamento revela até certo pensamento que pode não ser majoritário, mas existe, de o sujeito temer sair de férias e quando voltar encontrar alguém em seu lugar. Como o mercado de trabalho anda canibalizando, além de competitivo, muita gente pensa que sair de férias é quase um risco. E, neste caso, além de não relaxar, sai de férias para se estressar mais ainda. Este é apenas outro exemplo de como as férias são importantes, mas em tempos bicudos ela acaba sendo mal aproveitadas.

Caso contrário a este que acabei de citar também acontece. Um amigo jornalista que vivia num ritmo alucinante, quando chegou próximo das férias tinha tantos planos, que precisava de uns três meses para realizá-los. Ele queria fazer tudo: ler, viajar, namorar, beber, visitar parentes, tudo. Fiz as contas: ele ia precisar de financiamento para fazer tudo aquilo, porque o dinheiro das férias era pouco. Sem contar isso: o dinheiro das férias é curto e o sujeito tem que tomar cuidado porque se gastar tudo, não paga as contas do mês seguinte. Este amigo, que se chamava Newton Costa Meira, disse: “No primeiro dia de férias eu vou esquecer que existe trabalho, que existe mundo, eu vou mesmo é relaxar”. E isto foi um erro porque ele relaxou demais e depressa e os músculos do pescoço enrijeceram. Ele ficou duas semanas com o pescoço torto, olhando para a esquerda, porque não podia virar o pescoço para a direita. Resumo: perdeu metade das férias, assim como o Fernando está passando as suas férias no banheiro de sua casa.