O casamento tardio e feliz da Srta. Julieta Medeiros

Amadeu Rodrigues ligou para avisar que a Sra. Julieta Medeiros morreu. Havia na voz ao telefone velado tom de censura por eu não ir ao velório. Eu fingi que não percebi e disse que sentia muito. Ela estava com 88 anos, ficou magra, pequena, enrugada e arcada. Mas, lúcida. “Morreu dormindo”, disse Maria Aparecida, que morava na casa ao lado e todos os dias, de manhã e à tarde, apertava campainha da casa da Sra. Julieta para verificar se ainda estava viva. Na manhã em que não atendeu, Cida usou chave reserva, abriu a porta e encontrou a velha dormindo. Quando verificou, percebeu que era sono eterno. As pessoas no funeral foram unânimes em dizer que a finada era querida nas redondezas da casa em que morava. Morrer aos 88 anos não chega a ser tragédia. Mas não deixa de ser perda.

Fui eu quem apresentou a Sra. Julieta a Amadeu Rodrigues. Eu era criança quando a conheci. A Srta. Julieta se enfeitava para ir aos casamentos de amigas solteironas, era a mais ágil em pegar o buquê de flores jogado pela noiva. Pegou mais de 30 buquês em mais de cinquenta casamentos, cogitei muito tempo se o Guinness World Records registrou a categoria de solteironas que disputavam buque de flores na igreja. A Srta. Julieta certamente foi recordista. Mas naquele tempo estatísticas eram passatempo de ingleses. O certo foi que ela nunca se casou até os sessenta anos. Quando chegou a esta idade, entregou os pontos e chorou. Deu de presente para as amigas mais jovens os Santo Antônio que tinha em casa. Todos vencidos na tarefa de lhe arranjar um marido.

O tempo não mata o sonho, mas o corpo não pode esperar milagre. Aos sessenta anos era inegável que a Srta. Julieta tornou-se velha desiludida e amargurada. E com a idade, quando nada mais esperava que um fim de vida sem sol e sem sal, apareceu no portão de casa numa tarde de julho um homem maduro, ajeitado, de cabelos penteados e olhos azuis. Era amigo do cunhado, que deu ao estranho o endereço da solteirona. O homem se chamava João Monlevade, tinha 75 anos, era viúvo, aposentado e três filhos casados. Ele ouvira falar bem da Srta. Julieta e se sentira particularmente atraído por aquele detalhe: era solteirona. Ele foi direto ao assunto: “Sou forte, viril e carinhoso”. E a pediu em casamento. A Srta. Julieta suou frio, ficou vermelha e pediu tempo para responder. Pensou e respondeu sim.

Como os pais da Srta. Julieta morreram, coube ao sobrinho Edgard conceder a mão dela ao pretendente. Os filhos do noivo ficaram entusiasmados com a ideia de o pai casar novamente. Nenhum conseguiu ficar com o velho em casa, porque ele ainda se considerava viril e atacava as empregadas domésticas – pelas evidências, ainda era viril. “Ele encurralou uma amiga de minha sogra e a velha teve que ceder aos desejos libidinosos de meu pai para se livrar dele. A minha mulher fez um escândalo”, disse Teófilo, filho mais velho. Por esta razão, o pai se transformou em transtorno para os filhos. Ou era o velho ou as empregadas. E como ele não fazia trabalhos domésticos, elas tinham a preferência. O casamento foi solução para eles, para o velho e para a noiva, que passou a vida sonhando em se casar. Esta a história. Os vinte anos seguintes da agora Sra. Julieta com João Monlevade foram felizes.

Os filhos pagavam viagens para o casal, levavam em férias para o Guarujá, Pantanal, Nordeste, conheceram a Amazônia e até uma viagem para o Chile fizeram na companhia dos dois. Julieta e João não tiveram doenças, com exceção de gripes no inverno, até um dia ele amanhecer morto aos 95 anos. “Foi uma morte serena”, disse Julieta, entre lágrimas. Ela fez um pedido: “Queria uma morte serena como a dele”. Oito anos depois a teve. O que espantava na história de Julieta é que depois de longa espera, o sonho do casamento se realizou. Faltou um detalhe para ser perfeito. “Se eu fosse um pouco mais jovem, teríamos um filho”, confidenciou para Edgard e Amadeu Rodrigues. Para ela seria o complemento que faltava. “Afinal, nós vivemos juntos vinte anos”, disse, contabilizando que este filho já estaria adulto quando estivessem se despedindo da vida. Fora isto, foi perfeito.