O cara que trouxe os segredos do Oriente para o Ocidente

Um das grandes influências do escritor Jorge Luís Borges foi o inglês Sir Richard Francis Burton que viveu no século 19, entre 1821 e 1890. Ele nasceu em Torquay na Inglaterra e morreu em Trieste na Itália. Burton despertou variados sentimentos em seus contemporâneos, da raiva à inveja, da admiração ao desprezo. Era alto de 1m80 e esteve nos lugares mais distantes do mundo, inclusive no Brasil, onde foi cônsul. Ele morou em Santos e em São Paulo. O que o diferenciava de outros diplomatas e aventureiros era o interesse por culturas desconhecidas ou pouco conhecidas. Diz-se que falava 29 línguas e vários dialetos. O que ele fez para se tornar notável? Burton trouxe para o Ocidente clássicos orientais até então desconhecidos ou pouco conhecidos.

Foi ele quem nos apresentou “As mil e uma noites”, “Kama Sutra” e “Ananga Ranga”, entre outros. Ele traduziu “Os Lusíadas” e a lírica de Camões para o inglês e escreveu muitos livros. No Brasil procurou ouro e um monstro marinho de 48 metros. E aqui concluiu a tradução para o inglês de “Vikram e o Vampiro”, conto folclórico da Índia. Aqui ele montou uma gramática tupi-guarani, descobriu a autobiografia de Hans Staden, alemão que considerou dotado de espírito análogo ao seu. Staden foi o sujeito que aprisionado pelos índios no século 16 teve as pernas amarradas e foi obrigado a ficar saltitando no interior da tribo enquanto os canibais comentavam: “Lá vem a nossa comida pulando”.

Numa era patriarcal, Burton defendeu a emancipação da mulher, irritando os homens. Paradoxalmente defendeu a poligamia, irritando as mulheres. A poligamia útil para reduzir a prostituição e aliviar os serviços domésticos que na monogamia recaíam sobre apenas uma mulher. A opinião era fruto de observação das sociedades orientais. Os ingleses não gostaram dele porque criticou as administrações coloniais. E os orientais e africanos o odiavam porque condenou práticas como o infanticídio e tráfico de escravos. Os moralistas ficavam ouriçados quando falou sobre afrodisíacos, castração, infibulação, homossexualidade e abordou temas sexuais considerados tabus.

A sorte de Burton é que ficou mestre na prática muçulmana xiita conhecida como taqiya que consiste em ocultar crenças religiosas ou pessoais. A partir do momento em que começou a dissimular, melhorou um pouco. Burton esteve no Brasil por volta de 1865. Veio da África. E não percebeu diferença entre os dois continentes. O Brasil era de pobreza semelhante à africana. Isabel, mulher de Burton, era católica e ficou horrorizada com o que viu. Ainda mais em saber que os padres não se preocupavam com a crença dominante de que os negros não tinham alma e podiam ser escravizados. Os padres tampouco faziam nada contra a escravidão. Isabel pediu autorização ao bispo de São Paulo para pregar para os escravos de sua casa. O casal passou a usar escravos porque não havia empregados no mercado de trabalho, porque não havia mercado de trabalho.

Ela queria convencê-los de que também tinham alma. Não teve sucesso. O único que conseguiu convencer de que tinha alma e converteu foi um anão negro chamado Chico. Ainda assim, Chico traiu a sua confiança ao assar vivo o gato favorito dela no fogão da cozinha. Isabel ficou horrorizada com Chico. Isabel traduziu para o inglês o livro “Iracema”, de José de Alencar. Burton ficou fascinado com as mulheres que liam a sorte. Ele tentou sem sucesso encontrar uma mina de ouro. Seu empreendimento mais fascinante foi explorar o Rio São Francisco em 1867 num ajojo ou balsa, “embarcação tão decrépita, verdadeira Arca de Noé, semelhante a uma carroça flutuante de ciganos, coberta por um toldo, cerca de dois metros e trinta centímetros de altura e um de comprimento, assentando-se sobre dois troncos ocos”. Ele percorreu 2 mil quilômetros nesta que foi a última grande expedição de risco de sua vida. E, depois, teve que ir embora do Brasil porque estava ficando doente. E ia morrer. “Richard me falou que não aguentaria mais. O lugar o deixara doente”, confessou a esposa. Em 1868 ele foi embora. Ele foi convidado alguns anos depois para, ser cônsul em Belém, mas não aceitou. Foi para Trieste.