O cachorro mais elegante da cidade

Estava no Parque São Lourenço sentado num banco depois da volta protocolar ao redor do lago e observava o movimento das pessoas quando vi uma senhora de boné e camiseta branca, calça preta e tênis branco vir em minha direção com o seu cão. Não era um cão qualquer. Era um belo cão. Imponente, altivo e elegante. O tamanho e focinho lembravam um dálmata, o andar seguro recordava um pastor alemão, o pelo liso e bem cuidado era de um dobermann e o dorso que se afilava recordava o de um galgo inglês. A cor predominante do animal era castanha avermelhada com faixa branca na parte inferior que começava nas pernas, ocupava a barriga e se alongava para frente até o queixo, como enorme gravata.

Era evidente tratar-se de animal bem cuidado que trotava ao lado de sua dona como um animal nobre. Quando os dois passaram na minha frente o cão parou para olhar a minha cachorra que provavelmente enciumada com a beleza do animal se agitou. Eu aproveitei este momento para perguntar para a mulher: “O cão da senhora é bonito. Que raça que é?”. Ela disse toda orgulhosa: “Ele é um vira-lata”. Por um momento fiquei perplexo. Achei que fosse ironia. Algumas pessoas manifestam agressividade através de frases irônicas e cínicas e achei aquela uma delas. A mulher percebeu o meu embaraço e disse mais uma vez: “Não é cão de raça, moço”. Eu disse ainda meio abobado: “Mas é um cão muito bonito”.

Em seguida perguntei: “Qual o segredo para este animal ser tão bonito e imponente?”. A mulher respondeu: “É só tratar bem. Alimentar, adestrar e levar ao veterinário quando estiver doente. Cuidando bem fica assim”. Ela disse que o nome do animal era Chuikov e eu repeti que se tratava de belo animal. Ela ficou aparentemente lisonjeada com o meu comentário e minha suspeita de que a sua resposta inicial fosse ironia se dissipou. Ela foi embora. Eu olhei para a minha cocker spaniel e disse: “Desculpe querida, mas esse negócio de raça é bobagem. O racismo é uma grande frescura”. A cachorra latiu. No fundo, qualquer bicho bem alimentado, adestrado e bem cuidado, pode ser altivo, bonito e desenvolver inúmeras habilidades.

Quando cheguei em casa eu procurei na internet o significado do nome do cão. A minha desconfiança de que a mulher foi irônica voltou. Eu descobri algo enigmático: Chuikov, na realidade Vassili Ivanovitch Chuikov, foi um militar russo que era filho de camponeses. Ele esteve na Polônia e participou da guerra russo-finlandesa. No entanto, os seus maiores feitos foram resistir ao cerco nazista em Stalingrado e depois comandar a contraofensiva que levou os russos ao coração de Berlim e à derrota de Adolf Hitler em 1945. Os filmes de Hollywood não contam muito esta parte da história, mas foi este o movimento decisivo para derrotar os alemães e garantir a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Chuikov era um marechal e se transformou em herói nacional da Rússia.

A simbologia de um camponês que vira marechal e derrota os nazistas que se proclamavam pertencer a uma raça superior era muito evidente para o nome do cão ser apenas uma coincidência. Ninguém escolhe para um cão o nome de Chuikov por acaso. Eu passei um bom tempo procurando fotos de raças de cães para achar a raça de Chuikov. Eu vi todo tipo de cão, dos mais feios aos mais bonitos, dos pequenos aos maiores, cães peludos e cães do pelo curto, não encontrei nada que parecesse com o cão do Parque São Lourenço. Então tive a ideia de procurar por vira latas bonitos. Encontrei um monte, de todos os tipos. Mais: encontrei uma cena numa avenida movimentada na qual um vira lata atrapalha o trânsito para proteger outro cão acidentado. A cena chama a atenção das pessoas que a fotografam. Minha derradeira dúvida foi embora. Os vira latas são bonitos e capazes de gestos admiráveis. Eu me lembrei de Mussa José Assis, que dizia: “Os vira latas são mais resistentes que os cães de raça porque estão acostumados a todo tipo de dificuldade e sobrevivem”. Ele estava certo. Mas, ainda assim, não era o caso de Chuikov que merece até o título de o cão mais elegante da cidade. Um vira lata, quem diria!