O bom humor dos senhores da Boca Maldita

O lugar em que mais se ouve frases bem humoradas em Curitiba, provavelmente é a Boca Maldita. Os velhinhos estão sempre afiados. Alguns soltam chistes que parecem pertencer ao folclore nacional, como o famoso “quem empresta, adeus”, num trocadilho do famoso provérbio “quem dá aos pobres, empresta a Deus”. No entanto, grande parte destes comentários mordazes não apenas na Boca Maldita, mas onde se encontra velhos mordazes com um bom estoque de frases marotas tem matriz direta ou indireta: o gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhof Torelly, também conhecido por Aparício Torelli. Ele é o criador e propagador de uma imensa quantidade de frases que muita gente acredita se tratar de algum anônimo.

Torelli, também conhecido por Barão de Itararé, ficou famoso no cenário carioca dos anos 40 aos 60. O Barão foi um gozador – um sarrista, como diria Juca Zocker, que também cultiva o hábito de produzir frases irônicas. Este é o estilo que a gente encontra na Boca Maldita. Não que os velhinhos sejam plagiários do Barão de Itararé, mas eles representam uma época, traduzida por observações com espírito crítico sem dispensar o bom humor. Frases que alguém pode ouvir por aí e pensar que não tem dono, foi criada pelo Barão de Itararé, como: “Nunca desista de teu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra”. Ou, então: “Devo tanto que, seu eu chamar alguém de meu bem, o banco toma”. E assim por diante.

No Barão de Itararé tudo é gozação. Inclusive o título tirado de controversa escaramuça bélica. Durante a guerra interna que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930 houve uma escaramuça na divisa de São Paulo com Paraná, nas proximidades da cidade de Itararé. A terrível Batalha de Itararé que acabou acontecendo, mas não com a intensidade que se previa, porque o pessoal resolveu a questão com uma boa conversa. E assim a batalha virou sinônimo de algo que não existe. Torelli viu nisso bom pretexto para reivindicar o seu título nobiliárquico, que não existe, naturalmente, mas que se tornou tão famoso quanto a batalha. Não existe Barão de Itararé e se existisse não faria sentido numa república.

No entanto, Torelli reivindicava outros títulos, como ele gostava de vangloriar, tudo na base da gozação. Um destes era o de Brigadeiro do Ar. Antes que alguém perguntasse se ele era militar, o Barão, que não era barão, acrescentava: Brigadeiro do Ar Condicionado. Também conhecido em Portugal como Brigadeiro do Ar Encanado, embora os dois ares não fossem os mesmos. Além destes o Barão informava que tinha muitos outros “títulos protestados na praça”. Torelli, ou o Barão, era um velhinho rápido no gatilho, que devolvia uma resposta com a mesma rapidez de Clint Eastwood num duelo no Velho Oeste. Perguntaram para ele: “Por que o senhor deixou a barba crescer?” Ele respondeu: “Porque não sou trouxa. Se eu não deixasse ela ia crescer do mesmo jeito”.

Um dia o Barão resolveu se candidatar a vereador do Rio de Janeiro. Não sei se foi por gozação ou não, mas o certo é que ele acabou eleito. Depois que deixou a vida pública, perguntaram se ele queria mais um título, desta vez o de Cidadão Carioca. Ele não foi modesto e mandou ver: “Não quero. Eu prefiro ser cidadão do mundo, cidadão do espaço cósmico”. Está certo. Cidadão do espaço cósmico, por definição, engloba todas as cidades do mundo. Não precisa nada melhor.

Agora, para encerrar, mais frases célebres do Barão: “Quando pobre come frango, um dos dois está doente”, “Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes”, “O tambor faz barulho, mas é vazio por dentro”, “A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda”, “Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades”, “Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta”, “O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidat,o” e assim por diante. A Boca Maldita, cada vez menos maldita, é a última representante do humor do Barão de Itararé, o único barão que a República produziu. Quem não acredita pode conferir.