Vinicius Abujamra tem suas manias. A principal delas é morar no Capão da Imbuia e chamar o bairro de República do Capão da Imbuia. Se alguém ri dele, ele fica bravo e argumenta que o Capão da Imbuia é seis vezes maior que o Vaticano e duas vezes maior que Mônaco. Vocês acham que ele é maluco? Não é mais que o major britânico Paddy Roy Bates que em 1967 tomou conta de uma plataforma marítima da Inglaterra e decretou que o lugar minúsculo passou a ser o Principado de Sealand, micronação não reconhecida pela ONU e que fica a dez quilômetros de Suffolk. O governo britânico até hoje não invadiu Sealand para retomar a posse do país com medo de passar vexame: o mundo inteiro ia debochar da “invasão”. Então ficamos assim: tem doido para tudo neste mundo.

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A maior de Vinicius eu fiquei sabendo um dia destes. E ninguém sabe por que, até onde sei, ele só contou para mim: “Em você eu posso confiar. E para você eu conto”. Pensei que fosse bobagem e sapequei: “Então conta!”. Ele contou. Antes não tivesse ouvido. “Estou investindo pesado no ramo de produtor de lendas urbanas”, disse ele. Eu não entendi bem e não sabia que existia este ramo no pulverizado cardápio de profissões contemporâneas. Mas fiquei na minha, só ouvindo. “Por enquanto é apenas investimento. Mas eu ainda vou faturar muito com isto. E quando colher os frutos do investimento, o mundo inteiro vai ouvir falar de mim e vai me temer”, disse ele. E seus olhos brilharam.

Aquele brilho nos olhos dele eu vi somente em filmes de terror. Tentei ficar calmo. E disse: “Entendi”. Eu não tinha entendido nada. E, depois, perguntei: “Como é mesmo o barato do teu negócio?”. Ele repetiu tão candidamente que fiquei com a impressão de Vinicius ser um lunático ou candidato a adversário de algum herói de quadrinhos, algum personagem do tipo do Coringa, Pinguim ou Lex Luthor. Ele disse na maior cara dura: “Eu entro num táxi e a primeira coisa que eu digo para o taxista é que no fundo da sacristia da catedral tem um cadáver”. Eu levei um susto. Ele disse: “O taxista leva o maior susto. E eu digo: eu vi, mas não conta para ninguém. Depois eu conto uma história qualquer para o taxista sobre como o corpo foi parar lá”.

Aquilo me impressionou. Eu perguntei: “E tem um cadáver na sacristia da catedral?”. Ele respondeu na maior candura: “Sei lá. Eu acho que não. Mas isto não é o importante. O que importa é o sujeito reproduzir a histórica como no caso da loira fantasma. Entendeu a jogada? Eu vou ser um criador de lendas urbanas. Uma destas histórias vai pegar em cheio, porque os taxistas ouvem reproduzem”. Ele contou que já espalhou que embaixo do Museu do Olho tem um olho que é o olho do Oscar Niemeyer, por isso que se chama Museu do Olho. Niemeyer perdeu o olhou quando veio para Curitiba. E voltou com um olho de vidro, por isso ninguém percebeu a diferença. Outra que ele contou: no imenso espaço do Jardim Botânico tem um boi enterrado.

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Eu perguntei: “Um boi enterrado no Jardim Botânico?”. Foi aí que eu tive certeza de que Vinicius ficou louco. Ele riu e disse: “Sim. Tem um boi. É o Boi Tânico”. Eu pensei, mas não disse: “Putzgrila!”. Eu quis saber a reação dos taxistas diante da profusão de versões de histórias desconhecidas e naturalmente inverídicas sobre a cidade. “Eles ficam de olhos arregalados. Mas isto é fácil. Impressionar é fácil. O que eu quero é criar uma lenda urbana, que todo mundo acredite e reproduza. A lenda do Boi Tânico, do olho no olho, do cadáver da catedral, enfim, estou jogando com muitas alternativas. Se um professor com cara de assustado conseguiu ficar pelado e sair pedalando de bicicleta pela cidade e se transformar no Oil Man, porque eu não posso criar a minha lenda urbana?”, indagou, até com certa razão. Claro que eu não daria a menor importância a esta conversa com Vinicius, que eu achei até que fosse brincadeira dele, não fosse esta semana entrar no táxi e o motorista passar perto da catedral e me dizer: “Você sabia que tem um cadáver na sacristia da catedral?”. ,Suei frio. Era a lenda urbana de Vinicius ganhando corpo.