Zé do Caixão chegou à cidade no começo de 1975, num dia de sol, em princípio sem chamar atenção. Ele vestia de preto, cartola negra, barba e unhas longas e olhar de soslaio, desconfiado como temesse alguma coisa. No começo provocou risos. Depois, curiosidade, quando alugou barracão que foi velha mercearia para fazer o que alguns chamaram de “templo negro”, porque foi pintado de preto e outros de estúdio do Zé do Caixão. O local passou a ser frequentado por curiosos e pessoas que acreditavam em Zé do Caixão, embora não soubessem o que ele queria exatamente, até porque ele não disse. O barbeiro Chico Tesourinha recorda o episódio. “Toda ideia maluca, por mais absurda, sempre tem seguidor”, disse Tesourinha, hoje com 75 anos e aposentado.

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“Aquilo que Zé do Caixão fazia não era ilegal, não era imoral e também não engordava”, completou. Mas teve gente que reclamou e a polícia foi lá conferir e não pode fazer nada. “Se alguém dava dinheiro para Zé do Caixão, era problema de quem dava, porque não havia acusação formal e também não era abuso. Algumas pessoas davam dinheiro porque se divertiam”, relatou. Com o tempo as pessoas passaram a se incomodar com o tipo. O personagem passou a ser assunto principal das conversas na rua principal e também em casa. O tom das conversas aumentou quando descobriram que o Zé do Caixão que apareceu na cidade não era o verdadeiro. No mesmo dia em que o verdadeiro esteve ao vivo num programa de televisão em São Paulo, o falso estava em seu templo invocando forças sobrenaturais para deleite de curiosos e interessados.

Quem era aquele Zé do Caixão? O que pretendia? Era um mistério. Que incomodava Nereide, mulher de Agenor, dono do mercadinho O Preço da Hora. Nereide ficou ressabiada e procurou Gomalina, dono do açougue Carne de Primeira e que nas horas vagas ou quando requisitado atuava como detetive particular, resolvendo pequenos casos a preços módicos. “Nos anos 70, quando este negócio de detetive não dava dinheiro, quem queria investigar era por paixão ou por hobby, como eu”, disse ele, hoje com 82 anos. “Casos de infidelidade conjugal que hoje movimentam o mercado de detetives particulares, naquele tempo eram resolvidos na bala ou no cacete. E não eram somente homens, muitas mulheres espancavam os caras quando sabiam que eram traídas. O negócio era mais bruto”, relembra.

Os demais casos ficavam com a polícia e quem resolvia algum mistério por conta própria era intrometido ou como Gomalina, detetive amador. “Eu resolvi muitos casos. O principal foi o do Zé do Caixão”, informou. Nereide contou para Gomalina que Zé do Caixão a olhava de jeito assustador e aqueles olhos pareciam entrar em sua alma como um punhal de prata. Além disso, Agenor estava deprimido, porque tinha medo do sobrenatural e suspeitava que Zé do Caixão, falso ou verdadeiro, era emissário das trevas. “Agenor não come mais e nem no armazém ele está indo. Eu que tomo conta de tudo. Estou esgotada”, disse Nereide. Gomalina entrou na parada. Começou a investigar e não encontrou nada suspeito.

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Ele especulou sobre a vida de Nereide. Ela contou. Da infância àqueles dias de terror doméstico, assustados por Zé do Caixão. Gomalina foi à casa de Nereide e vasculhou até fotos velhas. Ela contou que sua vida sempre foi normal e a única coisa diferente que aconteceu foi quando largou um namorado, Tibúrcio, bom rapaz, mas meio maluco, para casar com Agenor, trabalhador e responsável. Gomalina perguntou se ela tinha foto de Tibúrcio, Nereide disse que jogou fora. Assim ficava difícil. Ela disse que havia retrato dele na vitrine do velho Foto Big Star. Gomalina foi lá e encontrou a velha foto. Ele pediu cópia, levou para casa e com pincel atômico de tinta preta colocou barba. Era Zé do Caixão. Com a foto foi ao templo negro e disse: “Tibúrcio, eu sei que você quer destruir o casamento da Nereide porque ela te deu o fora há cinco anos. A brincadeira acabou. Some ou te levo em cana”. Contrariando as expectativas, Tibúrcio não reagiu. Ele fez malas em silêncio e foi embora da cidade. Tão sibilino quanto chegou.