Ainda que não tivesse escrito “Amélia” com Ataulfo Alves, Mário Lago seria nome para ser lembrado pelas gerações que o sucederam. Foi compositor de “Atire a primeira pedra” e “Nada além”. Tudo coisa de gente grande. Lago era figura doce, ímpar, logarítimica, para não dizer, trigonométrica. Eu o vi no velho Afonso Pena, em março de 1987 – esperando avião para o Rio e eu para Londrina.

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Longilíneo, majestoso, impoluto, de branco como homem dos anos 40, cabide nas costas de onde escorria imaculado paletó branco. Sério, bacana, silencioso. Ia para lá e para cá com lentidão de quem não tinha pressa, mas não queria ficar parado. Fiquei só observando. Era grande ator. O personagem Atílio em “O Casarão” era um tratado de humanidade, doçura e tristeza.

Lago também foi cronista, dramaturgo e escritor bem sucedido. Autor de 12 livros. Comunista de carteirinha. Por isso uma das ironias das muitas que aparecem nas telenovelas foi o oficial nazista Otto von Lucken, de “O Sheik de Agadir”, escrita por Glória Magadan, uma cubana que na realidade se chamava María Magdalena Iturrioz y Placencia. O oficial era Mário Lago com cara cruel e tapa-olhos de pirata para ficar ainda mais lazarento.

A novela era tão doida que um alemão de verdade – Hanz Schlesinger – fazia papel de árabe de olhos verdes, o tal sheik Omar Ben Nazir. Aí é para enloquecer. Alemão casado e que teve romance com Leila Diniz. A história se passava no deserto do Saara, no Marrocos, tinha nazista, legião francesa, tuaregues, verdadeira salada. Leila Diniz era espiã nazista Madelon (nome mais estranho que Mata Hari). Tudo absurdo.

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Mas foi sucesso absoluto no horário nobre entre 18 julho de 1966 e 17 fevereiro de 1967. Tinha romances e assassinatos. Todo o Brasil queria saber quem matava gente adoidado na história. Foi o primeiro serial killer da tevê brasileira. Na vida real, o negócio foi ainda mais doido. Hanz Schlesinger, que abrasileirou o nome para Henrique Martins, foi intimado por Glória Magadan, que escreveu a novela, a dar uma bimbada com ela na cama.

Ele refugou porque ela era chata, velha, feia e alcoolotra. E na hora do convite estava de cara cheia. Depois que a novela terminou o alemão foi mandado embora da TV Globo. A vida real às vezes é tão doida quanto as novelas. E o serial killer? Era Marieta Severo, que casou com o Chico Buarque. A frágil princesa Éden de Basorra estrangulava adoidado os nazistas fortes e violentos. Olha o nome da moça! Parece com Paraíso de Vassoura. É o fim da picada. 

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