O amor é uma coisa gostosa que arrebenta o coração

Eu sempre achei que duas coisas sustentam o envolvimento passional entre homem e mulher: atração sexual e interesse material. O resto é farofa. No entanto, eu conheci há muito o professor Benedito Fortunato, que me chamou de maniqueísta, simplista, chauvinista e outros adjetivos não beligerantes, porque acompanhados de argumentação erudita. Fortunado era orgulhoso, seria prudente dizer, vaidoso. Achava que sua inteligência exercia sobre qualquer mulher um efeito devastador. Eu achava aquilo uma bobagem. E como eu me ofendi com os adjetivos dele, eu me senti no direito de contestar: “A sua inteligência tem sobre uma mulher a mesma atração de uma barata do tamanho de um chinelo no meio da sala”.

A nossa amizade acabou na frase kafkaniana. Ela pegou o professor Fortunado no ponto mais sensível, a vaidade intelectual. Isto foi há seis anos. Por isso, me surpreendi quando no último domingo eu o encontrei na Feira do Largo da Ordem, cabisbaixo e abatido. Eu não ia cumprimentá-lo, mas entrei numa livraria de usados, ele foi atrás e disse que queria falar comigo. Ele me chamou para tomar vinho longe dali. Eu o acompanhei. Ele disse a título de introdução: “Eu tive um negócio no coração, sabe? O médico me proibiu bebidas alcoólicas, mas o vinho é o único excesso a que ainda me dou o direito de cometer. Não sobrou nada”.

Eu perguntei por falta de coisa melhor: “E as mulheres?”. Ele não era exatamente um mulherengo, mas se gabava de ser conquistador. Ele respondeu cheio de mistério: “Mulheres, mulheres, mulheres”. Seus olhos foram tomados de tristeza que fez me arrepender da pergunta. Fortunato, como ocorre com a maioria das pessoas que acabaram de levar um coice emocional, tinha necessidade de falar sobre o caso. Há quatro anos ele foi dar aula num curso de mestrado e uma aluna se apaixonou por ele – por sua inteligência aguda. “Eu julguei que ela se encantou com os meus argumentos metafísicos, com a minha hermenêutica ou com minha sapiência”, disse ele. Depois disso eu fiquei cogitando o tamanho do tombo que ele levou. “Foi a maior paixão de minha vida”, disse. “Nem a mãe dos meus filhos amei tanto”, completou.

Como era divorciado, levou adiante o idílio. Agora é importante esclarecer um detalhe. Fortunato era astuto e sofreu na juventude porque os seus pais não amealharam patrimônio. Ele se orgulhava: “O que eu tenho, construí sozinho”. Era verdade. Dois apartamentos, casa na praia e chácara em Quatro Barras, além de valiosa coleção de quadros e ações. O curso de mestrado terminou e a paixão continuou. Fortunato anunciou aos filhos que ia se casar com a mulher 37 anos mais jovem. Ela se separou do marido para “ficar comigo”. Os filhos concordaram, mas condicionaram o apoio a uma alienação do patrimônio em nome deles, herdeiros naturais. E eles não estavam errados, afinal o professor Fortunato tinha boa aposentadoria, aulas em cursos de mestrado e conferências remuneradas. Dinheiro não seria problema para viver.

“Eu fiz o que pediram e cometi a imprudência de não informar Domitilia”, disse. Eu pensei: “Que imprudência!” Mas perguntei: “O nome da moça era Domitilia?”, perguntei estupidamente, já que ele acabou de revelar. Ele disse: “Sim. Você não acha um nome bonito?”. Eu disse que sim, embora discordasse por causa da Marquesa de Santos. Sempre achei Domitília nome de madrasta, oportunista ou de amante. Bobagem, eu sei. Eu queria saber o desfecho da história. “Depois que eu disse que deixei o meu patrimônio para os filhos, Domitília sorriu e falou: tudo bem, querido”. Ela foi ao cabeleireiro. “E daí?”, indaguei mais uma vez angustiado com a história. “Ela foi ao cabeleireiro e nunca mais voltou”, disse. A pancada foi tão forte que Fortunato teve enfarte. E para meu desespero, ele começou a chorar. Ele me olhou indignado e com olhos marejados: “De que serve toda a minha fenomenologia se a mulher que eu amo não me quer?” E chorou copiosamente. Fiquei em silêncio bebendo o vinho. Que era chileno e muito bom.