O porteiro Emmanuel de Oliveira, do edifício Pedras Brilhantes, na Rua Nilo Cairo, no centro da cidade, sabia que Hilda Gover, moradora do apartamento 401, no quarto andar, tinha um amigo chamado Gunnar Eggert. Este amigo tinha chave do apartamento para uma emergência. Além disso, o porteiro não sabia mais nada. Os vizinhos suspeitavam que Hilda usava o apartamento para encontros afetivos com senhores distintos do Centro Cívico. A suspeita se baseava no fato de que sempre havia senhor distinto no corredor indo em direção ao apartamento de Hilda. No entanto, era sempre um senhor diferente.

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Na última segunda-feira a polícia descobriu duas coisas depois de alertada por Guunar Eggert que Hilda não ligava há três dias. A primeira descoberta foi que ela tinha 42 anos. E a segunda que estava morta. Quando entraram no apartamento usando chave reserva fornecida por Gunnar Eggert, não encontraram nada anormal até chegarem ao quarto em que Hilda Gover se encontrava nua, com o corpo dobrado, cabeça deitada sobre a cama e joelhos no chão, braços caídos juntos ao lado do corpo inerte. Um policial olhou o outro e a conclusão a que chegaram era que não sabiam explicar a causa da morte. Era caso para o pessoal do Insituto de Criminalística.

O policial Devanir Cisneros vasculhou o apartamento e encontrou algo bizarro: velho disco alemão de vinil numa velha radiola com músicas dos anos 30 provavelmente comprado num sebo da cidade. A radiola estava ligada e o prato girava produzindo pequeno chiado, arranhando a etiqueta vermelha depois da última faixa. Ele desligou a radioala, pegou o disco e disse para o colega Demétrio Tintoretto: “Ela morreu ouvindo Einmal wirst Du wieder beimir sein”. Demétrio não entendia alemão, mas disse: “Caramba!” Os dois policiais ficaram curiosos e repuseram o disco na radiola para ouvir a música. Eles ligaram. A agulha ainda funcionava. Demétrio balançou a cabeça alegre, acompanhando os acordes da melodia. Ele disse: “É uma música bonita”. Devanir acrescentou: “Bonita, mas não explica a morte de Hilda Gover”. Demétrio concordou.

Como os dois policiais não chegaram a nenhuma conclusão, chamaram um perito do instituto. Ele ia determinar o que causou a morte de Hilda Gover. Os dois acharam que deviam ir embora. Quando desciam pelo elevador, Devanir disse: “Era bonita”. Demétrio indagou: “A música?”. Devanir respondeu: “A mulher”. O outro concordou: “Era”. Devanir perguntou: “O que a gente pode fazer para evitar mortes tristes e sem explicações?”. O outro balançou os ombros e respondeu: “Não tenho a menor ideia. Viver em sociedade não é simples. Principalmente aqui”. Devanir concordou. Se fosse fácil não seria difícil. Na calçada chegaram a eles os acordes melancólicos de “J’ Attendrai”, provavelmente de um bar aberto naquela madrugada fria. Eles puxaram para cima a gola do casaco, entraram na viatura e foram embora.

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Depois que deixaram a cena do crime, a repórter Doroteia de Souza subiu, entrou no apartamento, olhou e não conseguiu informações relevantes, porque nem a polícia sabia muito sobre o caso. O fotógrafo Bugre do Pilarzinho perguntou: “Coisa triste né? O que você achou?”. Doroteia falou que a cena no apartamento de Hilda Gover parecia conto de Dalton Trevisan: “Mistério, sordidez, alguém morreu e ninguém sabe quem matou”. Bugre concordou. Ele ouviu falar em Dalton Trevisan quando o leu na escola. Ele sabia que o cara perambulava por Curitiba ouvindo coisas para escrever seus contos. Mas ele não acreditava que o escritor tivesse alguma coisa com a morte de Hilda Gover. “Claro que não foi ele”, pensou, sem explicar para si mesmo como foi que Dalton Trevisan entrou na sua lista de suspeitos. No carro Bugre perguntou: “Quem era essa tal Hilda Gover?”. Doroteia disse que perguntou, mas ninguém respondeu. Era mais uma mulher desconhcida que morria de maneira misteriosa deixando interrogação na fria atmosfera da cidade. Jornalistas e polícia tinham que se virar para descobrir quem eram. E às vezes não descobriam.