A presença obrigatória num funeral, naturalmente, é a do defunto, sem a qual não existe funeral. Assim como casamento, que não se consuma se os noivos não comparecem. Muitos foram desfeitos no altar, porque um deles resolveu desafinar na hora agá. É frustrante, sim, mas ilustra o imperativo da presença. Quanto aos convidados, eles são como torcida num jogo de futebol: se forem, melhora o espetáculo, mas se não forem o jogo continua. O mesmo acontece num funeral. Para o qual, aliás, não se convida ninguém. Vai ao velório por sentimento. Ou solidariedade com a família do finado. Mas quem não vai a um velório é insensível? A presença de alguém além do finado é realmente imperativa?

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Os velórios antigos eram um acontecimento. Triste, gótico, mas momentoso. Os de hoje são fugazes. Estes pensamentos sobre velórios não apareceram por acaso. Eles surgiram depois de eu fechar o pequeno livro que acompanha o volume 2 da nova série de filmes lançada pela Folha de S. Paulo, que comprei na banca do Müeller. O filme em questão é “Os Amores de Pandora”, de 1951, com Ava Garner – a homenageada no volume. Uma de minhas deusas hollywoodianas. A mulher sobre quem o escritor Ernest Hemingway cunhou a célebre frase: “O animal mais lindo do mundo”. Frase meio grossa, mas, ao mesmo tempo, galanteio machista. Ela, que era amiga de Hemingway, deve ter gostado. Ava não era dada a frescura. Além disso, estrelou três filmes baseados na obra do escritor.

Quando Ava Gardner morreu aos 67 anos na Inglaterra, no dia 25 de janeiro de 1990, nenhum de seus ex-maridos foi ao funeral. Eu fiquei chocado. Não chegava a ser uma surpresa porque a atriz não os tinha muito em conta. A ponto de cunhar a frase meio cruel: “É uma completa vergonha. Fui estrela de cinema durante 25 anos e tudo o que consegui são três ex-maridos asquerosos”. Não é o tipo de coisa que deixa ninguém lisonjeado, principalmente os ex-maridos. Além de ex-maridos, Ava teve uma penca de casos: entre eles com o toureiro Luís Miguel Dominiquin, que lhe foi apresentado por Hemingway. E, surpreendentemente, com Fidel Castro. Ava chegou a sair no braço com uma furiosa revolucionária amante do famoso barbudo. Ava contou um segredo de Fidel: ele tinha o hábito de usar meias de cores diferentes em cada pé. 

Quando ela morreu, eu, que não fui toureiro e nem guerrilheiro, fiquei triste. Mas se fosse um de seus casos – ou um de seus asquerosos ex-maridos – e tivesse grana para me deslocar até lá, eu teria ido ao funeral dela. Acho que ir ao funeral de uma pessoa que foi importante na vida da gente é também questão de elegância. O curioso é que embora pense assim não faço questão de ninguém neste dia tão importante na minha vida, o da morte. Primeiro que gosto de bater papo com os convidados e não vou poder fazer isso. Depois, eu sou adepto da velha frase: faça o que tiver que fazer em vida, de preferência coisas bacanas. Eu tenho um amigo que gosta de homenagens. E ultimamente ele está sendo muito homenageado. Deve estar feliz.

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Ava Gardner, assim como Greta Garbo, se recolheu depois de jovem. Não aparecia. Mas eu não faria como Frank Sinatra, um dos ex-maridos, que não foi ao funeral dela. Frank foi calhorda em não ir? Primeiro, ele também estava velho. E, segundo, ele fez algo elegante, que revela o seu lado humano. Frank pagou as contas do tratamento de Ava, que em 1987 sofreu um AVC. Aí entra a questão: qual é mais importante? Pagar as contas e não ir ao funeral ou ir ao funeral e não pagar as contas? Eu acho que o mais importante é pagar as contas. Afinal, se passar de bonzinho sem enfiar a mão no bolso é fácil. Enfiar a mão no bolso não é só questão de humanismo e generosidade, é também, como sabem as mulheres que ganham presentes caros como colares e anéis de ouro, demonstração eloquente de afeto. Pergunte a uma mulher se prefere um colar de pérolas ou que o sujeito vá a seu velório – ela vai preferir a primeira opção. Frank sabia. E sabia também que se não fosse, Ava Gardner não ia reclamar. Como, aliás, não reclamou.