O nome era Joana. Aos doze, vinha da escola no fim da manhã pela ciclovia, calada, cadernos grudados junto aos seios, numa atitude inconsciente de ocultar mudanças que aconteciam no corpo. Ela despertava curiosidade e admiração. Magra, alta, andava com elegância natural e rosto que qualquer leigo apostaria: tinha tudo parar ser modelo de sucesso. “Ela não precisa mais nada”, disse Haroldo para a mulher. A mulher respondeu: “Ela tem tudo isto que você vê. Mas é tímida e pobre. Existem mais de mil se atropelando por vaga”. A mulher estava certa e arrematou: “Nem toda garota bonita acaba virando modelo”. E ficou enciumada: “Pare de olhar a menina, antes que alguém pense que você é pedófilo”.

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Haroldo pensou que se fosse maluco fotografava Joana para indicá-la a alguma agência de modelo. Se a mulher soubesse, seria divórcio. Ela dizia que este era o truque preferido de sedutores baratos para atrair garotas sonhadoras e ingênuas. Claro que Haroldo se conteve. As coisas não são simples. Ele não era o único fascinado por Joana. Uma manhã o velho poeta entregou um pequeno papel e se afastou assustado. Ela pegou, leu e guardou. Joana não virou modelo, embora continuasse alta, magra, bonita, tudo de grande modelo. Quando fez quinze foi trabalhar numa pequena loja de roupas de shopping de bairro. Foi o mais perto chegou da indústria têxtil.

O que a mulher de Haroldo temia, aconteceu. Não com o marido. Um sujeito chamado Agnaldo, patrão de Joana, fez fotos da garota para mandar para uma agência. Na hora desistiu de mandar as fotos e a seduziu. Ela começou a namorar o patrão, que tinha 42 e prometeu se livrar da mulher para casar com ela. Mas tinha um problema. Sempre tem um problema A mulher estava de filho novo. Ele teria de abandonar os dois: era preciso coragem. Abandonar mulher não é complicado, mas com criança a coisa complica. Ele gostava do piá, embora achasse que fosse estorvo. Era uma equação que não se resolvia em dias, às vezes nem em semanas ou meses. A solução temporária era enrolar Joana.

Passaram meses. Joana esperou Agnaldo cumprir a promessa. Como não cumpriu, ela decidiu não ser mais a outra. A hora de cair fora era aquela, antes que o tempo passasse e ela não pudesse mais conquistar um sujeito atraente. Com o tempo uma garota bonita deixa de ser jovem e perde os atrativos físicos. Ela recordou o poeta que entregou o papel na ciclovia com os versos: “A vida é tão curta! Apaixone-se querida menina. Enquanto seus lábios têm a cor carmesim, antes que o fogo da paixão se apague. Pois não haverá amanhã! A vida é tão curta. Apaixone-se querida menina, enquanto seus cabelos são macios e antes que o fogo do amor se vá”. As palavras a assustaram. E agora entendia o recado. O tempo cobra caro das escolhas erradas.

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Ela deu prazo de dois dias para Agnaldo resolver a parada. Ele disse que não a deixaria e que ela não tinha direito de destruir a família dele. Era conversa mole. Ela disse que ele não tinha direito de destruir a vida dela. Ele pensou que mais uma vez fosse convencê-la com novo prazo, mas ela disse que estava saindo da vida dele e também da loja. Foi para casa, se trancou no quarto e chorou. Sentia dor estranha e achou que a dor fosse passar. Perto da meia-noite a amiga ligou no celular. Contou que Agnaldo saiu furioso da loja no final do dia. Ele disse: “Hoje eu resolvo isto!”. Pegou a moto e correu para casa feito um louco. Ao tentar ultrapassar um ônibus ele bateu de frente em outro. “O que aconteceu?”, perguntou Joana assustada. “Ele morreu. Só queria que você soubesse”, disse a amiga. Na manhã seguinte, Joana tentou ir ao velório. A mulher de Agnaldo não a deixou entrar. Disse desgrenhada quase derrubando o esquife no chão: “Foi ela quem o matou. Assassina!”. Joana saiu chorando, amparada pela amiga do shopping. Continuava bonita. Não ia desfilar nas grandes passarelas do mundo e sim pelas ruas da cidade com sua dor precoce. Ela disse: “Eu me sinto viúva. Não é estranho?” A amiga não entendeu. E ficou quieta.