Há muito eu não via a Feira do Largo da Ordem tão concorrida como ontem de manhã. O sol contribuiu e a presença de turistas, atraídos pela Copa, eu presumo, deve ter dado um reforço adicional. O certo era que tinha gente que não cabia mais. E havia tipos que não se encontram normalmente por ali em outras épocas do ano. Um deles era um espanhol sentado no chão diante da Livraria Solaris, tocando violão e cantando uma canção que supus ser de Paco Ibañez, cantor e compositor valenciano de quem eu gosto – assim como eu gosto do catalão Joan Manuel Serrat. O estilo era muito semelhante.

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No meio de tanta gente estranha e diferente me aparece um conhecido: o inoportuno cardiologista Dr. Agamenon Figueiroa, que veio provavelmente pela Mateus Leme. O certo é que senti uma mão no ombro e quando me virei, era ele. Fiquei frio. Agamenon tem mania de fazer terrorismo comigo. Diz que meu sedentarismo está me matando aos poucos, que minha alimentação é tiro no pé, que eu me estresso demais, só falta dizer que os meus dias estão contados – e se dissesse, não estaria mentindo. Os dias de todos nós estão contados, mas ninguém fica contando. E quando ele fica quieto e me olha com cara séria e seca eu sinto que ele quer dizer exatamente isto.

Primeira coisa que disse: “Você não vai ver o jogo de amanhã”. Não era pergunta. Era ordem. Já não gostei. Eu fiquei pensando numa resposta; ele não deu tempo: “Vai ler um livro que é melhor. Fique longe da televisão”. Eu sabia que aquela conversa mole tinha a ver com meu coração. Ele continuou: “Você viu o jogo da Alemanha? Quase foi atropelada por Gana. Costa Rica humilhou a Itália. E a Argentina, que empacou no Irã, ganhou por milagre”. Finalmente pude dizer alguma coisa: “O que você quer dizer com isso, Agamenon?”. Ele esperava a pergunta: “O Brasil pode ser despachado amanhã por Camarões”.

Ele tinha razão. Esta Copa tem jogos imprevisíveis. E quando não se trata de seu time, todo mundo acha bacana. Mas quando a imprevisibilidade acontece com o time da gente, é chato. Dá um aperto no peito. Sem contar que com o futebol que o Brasil está jogando, com a falta de compromisso dos camaroneses, qualquer resultado é possível. Eu disse para ele que Copa no Brasil só de 64 em 64 anos. Eu não teria outra chance. Disse mais: “Se sobrevivi a 1974, passei por 1978, aguentei o tranco em 1982 e 1986, fui em frente depois da água batizada que o Branco bebeu em 1990, o resto amigo, o resto eu tiro de letra”, disse com convicção.

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Mas o Dr. Agamenon sempre tem um bom argumento: “Acontece que àquela época você era jovem. Fazia exercícios e agora você é um velho. E se não se cuidar vai se ferrar”. Eu disse que ia ver o jogo a todo custo. Ele respirou fundo, tirou um cartão e me entregou: “O número de meu celular mudou. Fique com meu cartão. Qualquer coisa me ligue que eu vou te salvar”. Eu peguei o cartão meio constrangido: “Qualquer coisa, como?”. Ele disse: “Se você sentir um mal-estar, vamos dizer um desconforto forte no peito quando Camarões fizer o primeiro gol. Depois, se o Brasil não conseguir empatar, a coisa vai ficar ruim”. Eu perguntei: “Só isso?”. Ele disse que não. “Se você sentir paralisias, convulsões ou falta de ar, me ligue rapidamente, que o Brasil está te mandando para o vinagre”, disse. Fiquei apavorado.

Ele deu seu palpite: “Amigo, se acontecer um negócio deste é que você não está suportando o jogo ruim do Brasil e está se ferrando. Caia fora antes que seja tarde. Por precaução, prepare o seu coração”. Aquilo me assustou. Eu me despedi. E para provar que o meu médico não me estragou o domingo, subi até o Largo do Rosário e fui à barraca do Edson, que vende empanadas argentinas e comi três com Coca-Cola. E prometi a mim que hoje eu iria ver o jogo. Porque, como diz o Hino Nacional: “Verás que um filho teu não foge à luta. Nem teme, quem te adora, a própria morte”. Há um pouco de exagero nisto, claro, mas seja o que Deus quiser! Mas aqueles boleiros milionários ,realmente ainda não convenceram ninguém.

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