Dilma Rousseff foi reeleita. Foi apertado como previu o Data Folha. A campanha terminou, as eleições terminaram, as expectativas não. Os rancores alimentados meses a fio também não. Vivemos numa democracia cujos cidadãos demonstram dificuldade de conviver democraticamente, respeitando pontos de vista antagônicos. O cidadão de arquibancada vê política como partida de futebol. Milhares reproduzem nas redes sociais ofensas e agressões arquitetadas por comitês bélicos, como integrantes de torcidas organizadas. Algumas pessoas deixaram reflexões interessantes. Eu peguei duas de dois amigos. Elas têm conteúdos opostos e ambos eu presumo estão corretos. Elas abordam o dia seguinte que é hoje.

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Mário escreveu que o Brasil seguirá o curso natural. “Os operários pularão da cama de madrugada, os pequenos comerciantes abrirão as portas no horário habitual, o padre rezará a missa de sempre”, diz, acrescentando que seu filho vai acordar e pedir para brincar e assim por diante. Na visão de Mário, o cotidiano não será abalado por uma eleição, pelo menos o cotidiano das pessoas simples que formam a maioria da população do país. Em parte é correto, porque a vida sempre segue seu curso, ainda que durante conflitos. A vida é feita quase sempre de coisas simples que não podem deixar de ser feitas em quaisquer circunstâncias. Se por um lado o raciocínio é correto, em parte não podemos ignorar que qualquer abalo sísmico nas estruturas administrativas do país reflete na vida das pessoas comuns.

Bulga escreveu uma frase curta atribuída a Eusébio, que presumo ser Eusébio de Cesaréia, que criou um sistema original para orientar e localizar passagens dos evangelhos. A sentença é a seguinte: “Não te preocupes com o vencedor, mas com a violência dos derrotados”. Esta frase anotada por Bulga me deixou com a pulga atrás da orelha porque seria ingênuo acreditar que rancores alimentados e ódios destilados durante os meses que antecederam o dia de ontem, nos anos anteriores, como os protestos do ano passado, vão terminar de hora para outra porque a contenda acabou. Com os indicadores apontando vitória de Dilma nos últimos dias da semana passada, um novo horizonte político foi acenado pela oposição em caso de derrota, que seria a busca pelo impeachment da presidente por conta de irregularidades na administração da Petrobrás.

Vamos ter terceiro turno ou quarto e assim por diante? O julgamento das urnas não foi suficiente, embora não dispense procedimentos jurídicos de praxe? Eu me preocupo. A permanência da tensão cristaliza um estado de animosidade sem fim que divide o país. Não podemos deixar a divergência evoluir para o ódio e este criar terrítório propício para o incêndio. O palito de fósforo bota fogo no campo seco, mas ele não é responsável pelo incêndio. Responsável é aquele que risca o palito e ainda mais os que deixaram a palha esturricar ao sol. Sozinho, o palito de fósforo não faz nada, como, por exemplo, num campo cheio de orvalho. Eu me preocupo porque o Brasil que saiu das urnas ontem não é pacificado e não vejo em Dilma talento e fleuma para unificar a nação dividida. Mas não acho lícito contestar a sua vitória, recorrendo a qualquer casuísmo. Dilma não é Fernando Collor de Mello. Ela pertence a um partido com milhares de militantes, milhões de votos e quaisquer tentativas de tripudiar sobre a sua vitória pode acarretar em algo que o país nunca teve e cujas consequências ninguém pode prever.

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Existem momentos na história que o bom senso deve prevalecer. No dia 28 de junho de 1914, um obscuro terrorista chamado Gavrilo Princip assassinou nas ruas de Sarajevo o arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do Império Austro-Húngaro e sua esposa a duquesa Sofia de Hohenberg. Foi o palito de fósforo que botou fogo na Europa. E deflagrou uma das maiores guerras da história com a morte de mais de 9 milhões de combatentes. O mais difícil é criar um ambiente para uma tragédia. Criado, qualquer idiota pode ser protagonista. E temos muitos idiotas soltos por aí, doidinhos para botar fogo no país.