“Não conta pra ninguém que o Ladislau esteve aqui”

Ladislau ligou para dizer que lê a coluna, “pelo jornal, para não perder o velho hábito”. Mas também que anda chateado porque eu conto histórias de amigos e não o mencionei. Ele disse que era bacana e que fui ingrato. Mais: disse que se sentia esquecido. Ele falou com a voz embargada: “Olha cara, você não sabe como dói na gente ser esquecido!” Aquilo foi uma facada no peito. Na realidade eu nunca esqueci o Ladislau. Eu só não falei nada dele por um motivo que acho justificável. Toda vez que eu me lembrei dele, havia uma história esquisita no meio. Ladislau não queria saber! Estava magoado.

Amigo é assim. É tão difícil conquistar e tão fácil perder. Amigo é que nem namorada, magoa por bobagem. E também magoa a gente com bobagem. Mas o mundo seria uma porcaria sem os amigos. Eu fiquei em dúvida: será que eu devo falar do Ladislau? E devo falar só uma parte? Eu pensei no jeito tresloucado dele, aparecia esbaforido com cabelo vermelho, olhar fugidio, esperto. E sempre com uma história maluca. Quando contava que caiu da moto, ninguém duvidava, ele trazia no corpo a marcas da queda – não tinha prova mais contundente. E cada episódio provocava o comentário: “Isto só acontece com o Ladislau!”. Ele parecia carregar uma nuvem negra sobre a cabeça.

Mas como não tem bem que sempre dure e mal que nunca acabe, tenho que reconhecer: Ladislau era um eficiente conquistador. Quando deixava a diagramação e corria para o telefone mais próximo, era quase sempre encontro amoroso. Ele não se importava que os colegas ouvissem os arranjos. Ladislau foi um dos maiores conquistadores que conheci. Insaciável. Se eu fosse relacionar as suas conquistas, seria necessário um caderno do tamanho da lista telefônica de Moscou. Era um Don Juan vermelho. Ele não distinguia mulher feia de bonita, nem velha de nova: para ele era apenas mulher. Uma tarde encontrou uma dona de primeira e foi para a casa dela, uma mansão perto do jornal. Nunca ele entrou numa casa de tamanha categoria para efeitos de conluio amoroso.

Ele entrou no quarto, tremenda suíte. Quando terminou, sentou na cama, abriu os braços e se espreguiçou. Olhou na parede e viu a foto da patroa. Olhou na cama, a dona não era a patroa. Se a cama era da patroa, o quarto era da patroa, quem era a dona na cama? “Eu sou a governanta”, disse a assanhada. Que aproveitou viagem do patrão para se divertir na suíte “presidencial”. Ele saiu correndo e aconselhou o seu “amor”: “Não conta pra ninguém que o Ladislau esteve aqui”. Outra vez abraçou um broto cheio de paixão, mas, na sofreguidão, ele perdeu equilíbrio e foi ao chão com o broto, que se arrebentou. Os dois correram para o hospital, para consertar o estrago.

O médico atendeu desconfiado; a secretária perguntou: “Não é melhor avisar a polícia? Isto está com jeito de agressão. Lesão corporal, doutor!”. Foi o broto que livrou a cara de Ladislau: “Não foi agressão. Foi sem querer, coitado. Ele é meio desajeitado”. A secretária pensou: “Ela ainda livra a cara do pilantra”. Ladislau quase foi preso por um escorregão. Mas suas aventuras mais absurdas aconteciam nos serviços eventuais. Ele fazia bicos de mecânico, eletricista, encanador, o que aparecesse. Um dia foi consertar o acendedor do fogão da casa de um amigo. Quando o cara ligou o fogão a campainha tocou. Ele foi atender e não tinha ninguém. Ele repetiu a operação até descobrir que Ladislau conectou a campainha ao acendedor. Toda vez que ligava o fogão, ela tocava. O cara não explicou se quando apertava a campainha o fogão acendia. Agenor disse que Ladislau fez serviço no encanamento da casa do vizinho e o sujeito quase morreu afogado. “Mas ele consertou depois”, explicou. E a história do cemitério? Aquele negócio de que foi assaltado na rua e ajudou o ladrão a pular o muro do cemitério desafiava qualquer lógica. Ele não explicava porque pulou atrás do ladrão e menos ainda o que fez lá dentro. Ele balançou o ombro, sem jeito: “Coitado, o ladrão estava carente”.