Morre-se mais nas ruas brasileiras que numa guerra

O amigo Jadson informou que no ano passado foram registrados em Curitiba 7.503 acidentes de trânsito, com 6.572 feridos e 58 mortos. Destes, 708 foram atropelamentos, que resultaram em 10 mortos. Somente nos dois primeiros meses de 2014 foram registrados 1.208 acidentes, com 995 feridos e 8 mortos. Entre estes, 115 atropelamentos, com 2 mortos. Os números são frios. Vamos a um caso concreto que, por ser recente, não entrou na estatística: no último dia 16, um trio assaltou uma pizzaria na Cidade Industrial e saiu correndo num Focus roubado. Na correria acertou um furgão branco e um homem de 60 anos que estava no volante foi catapultado para fora e morreu. Dois bandidos foram presos e quase linchados; outro fugiu.

No parágrafo anterior temos números terríveis – apenas de Curitiba. No Brasil o número de mortos por ano em acidentes de trânsito é superior ao de soldados norte-americanos mortos na Guerra do Vietnã que durou 20 anos. No exemplo acima citamos bandidos que mataram e fugiram, para não serem punidos pela morte do velhinho que não tinha nada com a delinquência, mas foi violentamente morto. No entanto, e isto é o mais terrível, muitas pessoas – sei que não é a maioria – também faz a mesma coisa que estes bandidos fizeram. Primeiro causam acidentes com mortes e depois tentam fugir – ou fogem. Não chega a ser uma regra, mas é elevado o número de pessoas que tendo oportunidade caem fora depois de provocar o acidente com morte. Claro que se a cena não permite, eles descem e tratam de colocar a culpa na vítima.

Parece que estes motoristas antes de aprender as noções básicas de direção segura, para retirar a carteira de habilitação, fazem curso intensivo sobre a arte de atropelar alguém e fugir para ficarem impunes. É vergonhoso. Aqui mesmo em Curitiba há um caso antológico, de um notório moço de ilustre família do interior que numa madrugada em alta velocidade decapitou os dois ocupantes de um carro parado. O sujeito ainda está impune e a mãe de uma vítima ainda hoje sofre em busca de algo que devia ser norma num país civilizado: justiça. A nossa legislação é um queijo suíço que transforma inocentes em culpados e deixa os culpados e criminosos nas ruas. Parece vigorar no Brasil uma cruel sentença: “Os mortos que se danem!”. Como o velhinho que estava no furgão. Morreu sem saber o que estava acontecendo.

A selvageria brasileira no trânsito é um escândalo e ironicamente não provoca tanta revolta nas redes sociais quanto, por exemplo, o mau trato aos animais – coisa repulsiva, naturalmente. Mas a indignação contra maus tratos aos bichinhos é maior e recebe maior solidariedade. Eu conjeturei a seguinte teoria: a maioria das pessoas que usam as redes sociais tem carros e sabe que está sujeita a cometer estas selvagerias e preventivamente evita fazer julgamento que possa prejudicá-la. Seria um mecanismo inconsciente de defesa. Pode não ser, mas parece. Porque o silêncio nacional em torno do assunto não evita acidentes e atropelamentos e não impede que cadáveres sejam levados para os cemitérios e que mutilados se arrastem por aí como testemunhas de que alguma está errada no trânsito brasileiro.

Uma curiosidade: o subparágrafo 8, seção 170 do decreto de 1988 sobre Tráfego Rodoviário na Grã-Bretanha determina que o motorista que atropelar um destes oito tipos de animais tem que dar atendimento, notificar o acidente, fornecendo informações e documentos. Os animais beneficiados por esta lei são cavalo, vaca, burro, mula, ovelha, porco, cabra e cachorro. É só cumprir no Brasil com os seres humanos a lei inglesa para os animais quadrúpedes que talvez a coisa melhore. Para os motoristas brasileiros que dirigem tresloucadamente e provocam acidentes entra como luva a frase que o escritor russo Liev Tolstói cunhou merecidamente ou não, para o filósofo Friedrich Nietzsche: “É um idiota e um anormal”. Com a pequena diferença de que Tolstói podia estar errado sobre Nietzsche.