A sexualidade ficou tão banal hoje em dia que depois de certa idade a única virgem que a gente encontra na praça é a imagem da santa na igreja. Perder virgindade tanto para garoto como para garota ficou banal, é mais fácil que perder as chaves depois de uma noite de balada. Mas no tempo de garoto de Amaral, o bicho pegava. Perder a virgindade era mais difícil que subir o Monte Everest sem ajuda de guia nepalês. Porque as garotas não vacilavam. O negócio era casório com papel passado e tudo. E garoto só tinha uma saída: o bordel. Na realidade, chamava-se zona. A zona do meretrício. Mas aquilo não era só um antro de pecado. Era também um foco de doenças venéreas. E todo garoto aprendia logo cedo que doença venérea era coisa terrível e o sujeito podia perder o pinto.

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Duas coisas assustavam Amaral na pré-adolescência: doença venérea e ir para o inferno. As descrições que os padres faziam do inferno dispensavam qualquer comentário. E as coisas que os mais velhos falavam da doença eram pavorosas. “Gumercindo pegou um cancro e depois gonorreia. Ele escondeu a doença do pai dele e quando foi ao médico era tarde”, contava-se nas esquinas, aos cochichos como subversivos comunistas. Todo mundo queria saber o que aconteceu ao Gumercindo. E o amigo respondia sério e cheio de autoridade: “O médico mandou-o subir numa cadeira e depois pular no chão. Quando ele pulou o pinto caiu. Estava podre”. Se verdade ou não esta história, Amaral nunca soube. Mas ouviu dez vezes a mesma história com a única diferença de mudar o nome do sujeito que perdeu o pinto. E a cadeira sempre estava lá no consultório do médico carrasco.

No entanto, para os mais pacientes sempre aparecia uma ocasião em que como por encanto ele rompia o portal da inocência para a maturidade. Ele finalmente conhecia o sexo. Muitas vezes ajudado por um tio, um primo ou um amigo que mostravam o caminho das pedras. Quer dizer, das putas. O pai de Amaral casou pela segunda vez e ele foi criado por avó. Tios e primos não estavam interessados na sexualidade dele. Ele que se virasse. E a avó tinha medo atroz de o garoto virar tarado. Tarado e cachaceiro eram duas preocupações das avós e mães, porque na cabeça delas tanto um quanto outro não gostava de trabalhar e corria atrás do vício. E, assim, nunca seriam homens de bem. A avó de Amaral queria que ele fosse um homem de bem. E Amaral queria mesmo era conhecer mulher.

Um belo dia apareceu a chance. Um investigador de polícia tirou uma mulher da zona e alugou para ela uma casa vizinha à casa da avó de Amaral. O nome da mulher era Lavínia. Morena alta, brejeira, tipo Sofia Loren. Às vezes parecia Claudia Cardinale. Cintura fina, seios fartos e coxas grossas. Voz sussurrante. Lavínia ficou amiga da avó de Amaral. Ela confessou que tinha vergonha de ser analfabeta e que não tinha idade para entrar na escola. Naquele tempo não tinha escola para adultos. E passou dos vinte, a pessoa se achava velha. A avó disse que Amaral era bom aluno em português e que poderia ensinar alguma coisa. E foi assim que Amaral começou a frequentar a casa de Lavínia, naturalmente quando o investigador estava ausente, para ensinar português.

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Ela sussurrava para ele, com uma voz quente: “Você é o meu professor. Um professor muito bom”. Aquilo deixava Amaral petrificado. Lavínia aprendia rapidamente e achou que deveria retribuir a generosidade para o garoto de catorze anos. Um belo dia ela sussurrou: “Eu também quero ser sua professora”. Amaral era jovem, mas não era besta. Ele entendeu o recado. Ela fechou a porta e foi tirando a roupa. Ficou apenas com as roupas íntimas e depois foi para o quarto, movendo o dedo indicador, tipo “vem cá meu bem”. Amaral ficou apenas de camiseta no meio da sala. Ele fechou os olhos e pensou: “Vai ser hoje. Finalmente vai ser hoje”. Ele abriu os olhos assustados porque a porta repentinamente fez um barulho danado. Era uma velha enfurecida entrando com uma vassoura nas mãos. Quando ela viu o garoto seminu no meio da sala, ela gritou: “Amaral, seu tarado, eu vou te matar. Fique parado, seu cachorro!”. Ficar parado foi a única coisa que ele não fez.

Amaral saiu correndo pela porta afora, só de camiseta, ganhou a rua, a velha saiu, correndo atrás dando vassouradas nas costas dele, enquanto Lavínia se recompôs. Ela não era otária. Sabia que perdeu a amizade da vizinha. E também que as aulas de português tinham acabado. E não foi daquela vez que Amaral perdeu a castidade. À noite ele chorou que nem criança que leva cacete enquanto murmurava: “Minha vizinha era uma professora de sexo. E eu não aprendi nada”. Coisas da vida.

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