“Meu avô ganhou muito dinheiro fazendo mágicas”

Ele estava na seção de frios do supermercado e me olhava como se eu o conhecesse ou se, na melhor das hipóteses, ele me conhecesse. Fingi não ver. Dei volta, comprei leite e quando entrei na fila da padaria ele estava lá. Fiquei atrás dele, mas ele virou o pescoço, me viu, sorriu, fez menção de dizer algo importante e disse: “Esfriou de novo, hein?”. Era fim de noite, perto da hora de fechar. Na hora de pagar as compras, apenas dois caixas e longas filas. Peguei uma delas e o sujeito me seguiu. Agora era ele atrás de mim. Ele puxou conversa. Começou a falar de forma atabalhoada. Era um cara estranho. Ele disse que era carioca, tinha cinquenta e cinco anos e seu pai morreu aos 17 anos, antes de ele nascer, em 1960. Veio para Curitiba em 1990. Está aqui até hoje. Gosta da cidade: “É o melhor lugar do mundo!”.

Ele disse que seu avô era americano e voltou para os Estados Unidos depois de uma temporada no Rio. Até aí tudo bem. Ficou estranho quando disse que o bisavô levou o filho, quando criança, para uma reunião em cuja cabeceira sentava-se Adolf Hitler. O avô cresceu e teve aulas de magia com Harry Houdini e Long Track Sam. “Meu avô ganhou muito dinheiro fazendo mágicas por este mundo”, disse. Por mais que eu o olhasse, não parecia brincar. Era sério e parecia doido. O avô mudou de profissão e vendeu rolimãs em Portugal. Depois esteve em Buenos Aires onde conheceu uma cantora argentina chamada Maria Eva Duarte, filha de Juana, cujo pai a vendeu para um homem de posses que pagou pela jovem uma carroça e um jumento. Juana virou amante do homem que a comprou e com ela teve cinco filhos.

Ele ficou quieto e pensativo. Eu perguntei o que aconteceu ao avô e ele disse que ficou gordo e morreu aos 70 anos, mas nunca em toda a vida conheceu o filho que fez no Rio de Janeiro. “A minha avó não tinha certeza que fosse ele o pai de seu filho. Além disso, naquele tempo as pessoas não davam importância para filhos que faziam pelo mundo afora. Meu pai foi um deles”, disse. Eu perguntei o nome do avô, o sujeito disse que esqueceu. Eu perguntei o nome dele e ele respondeu: “Hudson Love”. Nunca ouvi falar de ninguém no Brasil cujo sobrenome fosse Love. Wagner Love teve o nome por ser namorador. A fila andou, eu o deixei passar na minha frente. Ele pagou e antes de ir embora disse: “Esfriou de novo, hein?”. E foi embora empurrando o carrinho de compras.

Maranhão, o menino do caixa, confidenciou: “Eu já vi muitas pessoas estranhas aqui”. Ao chegar em casa fui para o computador e procurei na internet informações relacionadas às pessoas que o sujeito contou. Mas não achei nada. Eu pesquisei o nome dele e nada. No entanto, tive um estalo. Troquei o v do sobrenome por w e apareceu o nome de Lord Lowe, carcereiro de Napoleão na Ilha de Santa Helena. Procurei imagens de Lord Lowe e apareceram fotos, coisa comum em pesquisa aleatória. Fui atraído por uma pequena foto de Orson Welles. Fui conferir a filmografia do ator e diretor. Ele interpretou Hudson Lowe no filme “Napoleão”, de 1955. Welles esteve no Brasil no começo dos anos 40.

Procurei mais informações sobre ele no livro de Kenneth Tynan, “A vida como performance”. Encontrei coisas a respeito de Welles que não sabia ou esquecera. Welles se divertiu com Evita antes de ela conhecer o coronel Juan Domingo Peron. A mãe de Evita também se chamava Juana. O livro diz que Welles na infância encontrou-se com Hitler numa reunião de negócios a que seu pai compareceu. E Welles também desempenhou as atividades de mágico. A coincidência de informações levava a crer que o avô do sujeito no supermercado foi Orson Welles. Eu eu me censurei por não perguntar o nome do pai dele, que morreu com 17 anos. Hudson Lowe poderia ser neto de Welles. Talvez o sujeito fosse embusteiro inofensivo ou apenas um mentiroso. Nunca vou saber. Ainda assim há um mistério em tudo isto: se demorei encontrar as informações, aquele moleirão teria mais dificuldades ainda para construir uma falsa história para ele. Ele não tinha aparência de ser estudioso ou astuto. Se ele era neto de Orson Welles ou impostor nunca vou saber.