Tem cara que já nasce mentiroso. Não sabe viver sem contar mentira. Mas tem um tipo curioso que fica mentiroso quando envelhece. Eu acho que mente para rechear um pouco a história de sua vida com fatos interessantes. Deve ser isso. É o caso do Ronaldo Robledo que desandou a mentir de uns tempos para cá. Ele apareceu e perguntou na maior cara dura: “Você sabia que o meu avô teve um Chrysler Airflow?”. Eu fingi que acreditei. Nunca ouvi falar que este carro dos anos 30 apareceu no Brasil. Sabia que Manuel Luís Quezon y Molina, que foi presidente das Filipinas entre e 1935 e 1944, encomendou uma limusine feita com base neste modelo, provavelmente porque tinha ar condicionado. Mas no Brasil nunca soube.

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Robledo é sacana. Ele sabe de meu interesse por carros velhos, maior que o desinteresse por carros novos. E veio com lorota. O Airflow é tão emblemático que à boca pequena corre o boato de que quando Adolf Hitler encomendou um carro popular bacana para Ferdinand Porsche, ele importou um modelo da Chrysler “para se inspirar”. Verdade ou não dá para perceber que o Fusca tem o “focinho” do Airflow. Mas o pai do Fusca ninguém sabe ao certo, porque o Trata 97, carrinho checo, é a cara escarrada do Fusca. E ficou com a fama de ser pai do carro de Porsche. O diacho é que o Airflow andou sendo pai de outros carros por aí: o Toyota AA de 1936, também parecido com o Fusca, foi copiado do Airflow, através do DeSoto Airflow. Outro filho bastardo foi o Volvo PV 36 Carioca, que tem este nome porque quando foi fabricado Carioca era o nome de uma dança popular na Suécia.

O mais curioso em tudo isto é que apesar de inspirar um monte de outros carros pelo mundo afora, ser apreciado por pessoas refinadas, a verdade é que o Chrysler Airflow foi um fracasso comercial. Razão esta que me leva a acreditar que Robledo estava mentindo. Normalmente o brasileiro ia importar um carro que fez sucesso, não um que fracassou. É uma teoria. Eu deixei Robledo falar à vontade. E falou bobagem. O que reforçou a minha teoria. E como ele mentiu, eu disse quando terminou: “Os nossos avós eram elegantes. O meu, por exemplo, teve um Duesenberg Modelo J. Coisa fina. Depois o carro ficou velho, estragou e ele deixou no fundo do quintal e o carro virou poleiro de galinha. Ficou lá no fundo de casa aquele carro bonito todo cheio de coco de galinha”. Robledo me olhou com cara desconfiada, sem saber se ficava furioso ou se perguntava se era verdade.

Mentiroso é um bicho desgraçado. Ele conta mentira, mas não gosta de ouvir uma. Ou, ele acredita na mentira dele, mas não acredita na mentira dos outros. De qualquer forma ele balançou a cabeça, olhou o tempo e disse que ia embora porque ia chover. Eu fui embora rindo feito maluco: coitado do meu avô só teve uma mula cinza e uma carroça. E a mula, quando ficou velha, foi espancada até a morte pelo meu tio João, que era louco. Imagine se meu avô ia ter dinheiro para comprar um Duesenberg Modelo J? Nem podendo. 

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