Uma menina no Grupo Escolar Osvaldo Cruz ficou escandalizada e me perguntou: “Você não sabe quem é Joselito?”. Não tinha a menor ideia e ele era ídolo dela. Isto foi no ano de 1961, ano que fez alegria de minha prima Maria José que não parava de entrar em casa e mostrar o número 1961 num papel e repetia: “É o único ano que tanto faz ficar de cabeça pra baixo como pra cima”.

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Era verdade. Tinha que explicar isso para o Jânio Quadros que era presidente e renunciou deixando o país de pernas para o ar. E de cabeça para baixo. Foi um sufoco descobrir quem era Joselito, muito menor que o sufoco deixado por Jânio Quadros. Joselito era um cantor infantil espanhol, dono de uma voz privilegiada e que gravava discos que se vendiam aos milhares e fazia filmes que lotavam o cinema de minha cidade.

Fui ao cinema com Marilda, a garota que idolatrava Joselito. Tinha nove anos, coloquei o braço sobre o encosto da cadeira dela e achei que era namoro. Não sabia que namoro era outra coisa. Nem ela. Éramos crianças, mas num mundo infantil. Joselito era criança jorrando dinheiro num mundo adulto. Éramos felizes e não sabíamos. E Joselito, coitado, vivia numa bolha de ilusão.

Gostei de Joselito. Um pirralho com goela de ouro. Se eu tentasse fazer dez por cento do que ele fazia estourava a garganta. O negócio com a Marilda deu em nada, mas fiquei fã de Joselito até que os Beatles apareceram e ele sumiu. Ele e muita gente grande. Sumiu e não senti falta.

Mas num dia destes, passando minha infância a limpo, eu me lembrei de Joselito. E fui procurar informações. Joselito depois que deixou de ser criança, se ferrou. Virou apenas um tal de José Giménez Fernández, com acentos nos três nomes, e que ninguém queria saber quem era. Tentou ser cantor com o mesmo sucesso e não conseguiu. E descobriu que foi uma criança prodígio explorada pelos adultos, daquelas que quando crescem são descartadas.

Foi uma espécie de Shirley Temple. Fenômeno infantil de Hollywood que fez quarenta e três filmes e que ao crescer ninguém se interessou por ela. Shirley tentou ser política, não deu certo e foi ser diplomata em Gana. O mundo às vezes engana. Não é bacana ficar sem saber o que fazer numa savana. Destino cruel. Com Joselito foi pior. Ele foi em cana.

Ao perceber que estava no mato sem cachorro, Joselito, agora adulto, foi ser mercenário na África. Antes tivesse sido marceneiro. Em 1990 ele foi preso pela polícia angolana acusado de traficar drogas e armas. Ele contou uma história estranha, que era colecionador e caçador. Não colou. E foi para o xilindró. Resumindo, foi condenado a cinco anos na Espanha, cumpriu dois anos por boa conduta e voltou a gravar baladas românticas. Deu em nada.

O sucesso era coisa do passado. O grande Joselito foi o que cantou quando era pequeno. Ainda hoje dá gosto de ouvir o piá de goela de ouro cantar Granada como se fosse um tenor de brinquedo. Todo mundo gostava. Eu acho que?o mundo é cruel quando dá sucesso precoce e condena a criança a ser um adulto triste. Deve ser um sofrimento, porque a criança não tem mecanismos emocionais para perceber o sucesso, mas terá mais tarde para perceber a ausência dele.

Se você quiser conferir as qualidades vocais do menino Joselito, pode ouvir Granada no link abaixo:

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