“Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”

A Copa do Mundo acabou. Mas ainda tem gente atordoada pelas ruas da cidade com o desempenho do Brasil, como aquele sujeito que foi pular Carnaval durante quatro dias e quando chegou em casa descobriu que a mulher fugiu com o leiteiro – esta é velha, do tempo em que os leiteiros entregavam o leite em garrafas na porta de casa e quando a dona atendia de camisola ele sabia que era a senha para entrar. Um destes atordoados é o meu amigo Epaminondas Fagundes Varela, que encontrei desnorteado ontem no final da tarde na Praça Tiradentes. Eu desconfio que ele ficou maluco depois dos 7 a 1 da Alemanha. Ele simplesmente não conseguia entender o que aconteceu e em busca de compreensão ele foi procurar um pai-de-santo na noite de sexta-feira.

Indicaram para ele o Pai Yakekan do Pilarzinho. Que tem fama de trambiqueiro. Tudo bem. Não disse para o Epaminondas. Perguntei como foi a “entrevista”. O consultor metafísico não fez bico ou cara feia. Ele fechou os olhos e ficou gemendo e murmurando numa língua estranha por uns quinze minutos. Por fim disse que faltou logística para a Seleção. Não procurou loja de umbanda para se proteger. E também de má escolha: “O Brasil não podia jogar no Mineirão”. Eu disse que foi sorteio. Segundo Yakekan, “quando fizeram o estádio, os argentinos enterraram um sapo no Mineirão para prejudicar o Brasil”. Não foi à toa que escolheram Belo Horizonte para se hospedar. O sapo tinha na boca a bílis de um bruxo argentino chamado José Lopez Rega, que foi secretário particular de Juan Domingo Perón.

 Além disso, o Brasil tinha que jogar no Maracanã, para exorcizar o fantasma de 1950 ou em Salvador, território protegido pelos orixás. Bahia, aliás, escolhida pela Alemanha. Razão pela qual, os dois times foram parar na final. A tese metafísica do pai-de-santo do Pilarzinho me assustou. “O fantasma de 1950 ficou com medo de vingança no Maracanã e se escondeu em Minas Gerais. Apoiado pelo sapo enterrado, por bruxos argentinos e pela soberba do Felipão, ele destroçou o Brasil”. Resultado: “Antes mesmo da humilhação, todo mundo chorava: jogadores e torcida”. Achei sofisticada e bem elaborada a tese de Yakekan do Pilarzinho. “Foi feitiçaria pura, meu fio. Aquilo que aconteceu contra o Chile não foi normal. Era para acabar ali. Como o Brasil passou, ele caiu no mesmo lugar contra a Alemanha”.

 Eu perguntei: “E você acreditou nisso?”. Epaminondas apelou para William Shakespeare: “Há mais entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia”. E perguntou: “Você reparou que o Brasil não pisou no Maracanã?”. Respondi: “Reparei!”. Ele se animou: “Como alguém se prepara para uma campanha tão importante quanto a Copa do Mundo e não consulta Pai Yakekan do Pilarzinho?”. Eu disse: “Faltou planejamento esotérico”. Ele foi em frente: “A Alemanha ficou na Bahia onde estão os pais-de-santo mais fortes do Brasil. E a Argentina se alojou em Belo Horizonte onde enterrou o sapo no Mineirão”. Epaminondas enlouqueceu como Policarpo Quaresma. De tanto amar o Brasil e o futebol brasileiro. E para ser sincero, acho que não tem cura. Como com doido a gente não discute, eu dei trela.

Eu perguntei: “Pai Yakekan disse como o Brasil vai recuperar a moral desmoralizada?”. Epaminondas perguntou para o consultor espiritual: “Ele revirou os olhos, se requebrou e disse estas palavras que não vou esquecer”. Epaminondas ficou quieto. Eu perguntei: “Que palavras?”. Como estivesse possuído por um espírito, Epaminondas revirou os olhos e entoou com voz diferente e estranha: “Não procurei esconder, todos viram, fingiram, pena de mim não precisava. Ali onde eu chorei qualquer um chorava. Dar a volta por cima que eu dei, eu quero ver quem dava”.  A boca espumou e pensei que ele fosse ter um troço. Eu perguntei: “Epaminondas, diga alguma coisa!”. Ele disse: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. E caiu duro no meio da Praça Tiradentes. Acho que a última frase foi o recado de Pai Yakekan do Pilarzinho para a Seleção Brasileira.