“Lá vem o Marcos, descendo o morro da Vó Salvelina”

Uma das coisas fascinantes da Internet, principalmente do Youtube, é a disseminação de expressões e hábitos de uso limitado a algumas regiões, muitas delas encravadas em lugares distantes. A mais recente foi a febre por conta de um vídeo de um garoto chamado Leandro, de 9 anos, em Taió, no interior de Santa Catarina que, na casa da avó, numa chácara, se encontra com o primo Marcos, de 12 anos. Os dois brincam de descer ladeira num carrinho de madeira. O primo Marcos desembesta ladeira abaixo e o primo Leandro filma e incentiva numa voz estridente e num linguajar peculiar: “Pode, vir, Marcos! Lá vem o Marcos, descendo o morro da Vó Salvelina! Taca-le pau, nesse carrinho, Marco! Taca-le, pau, Marco! Taca-le, pau. Taca-le pau. Mazá, Marco véio”.

Um vídeo caseiro de 25 segundos foi suficiente para provocar centenas de milhares de acessos na internet. Como o vídeo foi reproduzido em vários outros, alguns com mais de 500 mil acessos, é possível dizer que ele foi visto por mais de 2 milhões de pessoas. Tudo porque mostra uma cena rara nos dias de hoje, crianças brincando numa zona rural, com carrinho artesanal, numa pequena estrada de terra e, claro, usando expressões e nomes que poucos ouviram em outras regiões do país como “taca-le pau” e “Vó Salvelina”. Do interior de Santa Catarina para o mundo: Leandro e Marco Véio viraram pop stars e tiveram os seus 15 minutos da fama, como prognosticou Andy Warhol um dia que todos teríamos na atualidade que, para ele, era o futuro.

Mas deixando a questão de Leandro e Marco Véio de lado, estas expressões particulares existem num incontável número por este Brasil afora. Eu recordo pelo menos de duas, para não espichar o assunto. Eu morava em Londrina e trabalhava na Folha de Londrina quando o amigo Luiz Taques, jornalista que veio do Mato Grosso do Sul, apareceu com uma expressão que rapidamente o distinguiu dos demais. Quando tinha que exclamar que alguém era diferente ou disse algo inesperado, bradava meio assustado: “Mas que tararaca!”. A expressão tararaca rapidamente se tornou de uso corrente entre os amigos. Todos a usavam por achá-la divertida. Vale dizer que a expressão é de origem gaúcha e sem querer fazer tratado sobre ela eu presumo que com a leva de gaúchos que foram para o Mato Grosso – do sul e do norte – nos anos 70, ela se disseminou por lá.

Tararaca seria uma pessoa tonta, embaraçada, meio avoada. Gente que faz ou diz algo estranho numa hora inconveniente. Mais ou menos isso. Mas é também o nome de um rato silvestre. No entanto, foi usada por nós de forma mais abrangente, como uma interjeição em situações variadas. Outro caso curioso foi o de um sujeito que conheci na região de Paranavaí nos meses em que morei lá, em 1983 e parte de 1984, também atuando como repórter. Eu percorria o noroeste extremo, região de pequenos municípios situada num vasto areal habitado por tipos curiosos. Um deles em Santa Cruz do Monte Castelo era o Jurandir que tinha por hábito, principalmente quando bravo ou quando não estava gostando de certa coisa, de perguntar: “O que você quis dizer com isso, ô Linguiça?”.

Para ele, na hora da fúria, todo mundo era Linguiça. E quando contava seus casos para a gente ele dizia: “Eu cheguei pra ele e disse: fala de novo, Linguiça! Repete o que você falou!” Linguiça era qualquer um. Jurandir era bravo. A gente ouvia e em vez de ouvir seriamente o caso, se divertia com o uso da expressão linguiça para definir qualquer adversário. O curioso é que este tipo de expressão pode ocasionar efeito colateral para quem a inventa. O sujeito ficar marcado por ela. É o que está acontecendo com o garoto Marcos, chamado de Marco Véio na escola e por todos que o identificam nas ruas de sua cidade. Os mais íntimos – e não todos, claro, que ele era e ainda é mais bravo que o Jurandir – chamavam o Taques de Tararaca. Assim como o Jurandir era conhecido por Linguiça, por causa da expressão que usava. Mas, claro, existem muitos milhares de casos semelhantes pelo Brasil afora.