Juju Peninha e a globalização da economia

A primeira vez que eu soube das inconveniências do segurança Juju Peninha foi através de um rapaz que ficou nervoso porque presenciou algo que achou repulsivo. Era uma tarde chuvosa e um operário com roupas rotas e manchadas de cimento e cal entrou no mercado para comprar alguma coisa para o lanche dele e do filho – que ficou no lado de fora. O homem comprou pão, mortadela e garrafa de Coca-Cola de dois litros. Ele estava no caixa e o garoto achou que o pai demorava. Por isso, o garoto quis entrar no mercado. E como estava mal vestido e suas roupas também estavam sujas de cimento, Peninha com seu uniforme negro de segurança pegou o garoto pelo braço e intimou da seguinte forma: “Aonde vai ladrãozinho?”.

O menino gritou: “Pai, o homem está me machucando!”. O pai viu, deixou o caixa e foi tirar satisfação com Peninha. Que além de rude, é metido a ter razão: “Sujo deste jeito eu pensei que fosse ladrãozinho. Você devia dar um banho em seu filho”. Eu não sei o que aconteceu depois. Isto foi há três meses. Eu acho que o pai e o garoto foram embora com a compra e nunca mais voltaram. Então, a partir deste dia, eu passei a prestar atenção no comportamento de Peninha. A primeira impressão que tive foi a de que ele era maluco – talvez esquizofrênico. O comportamento era diferente dos demais seguranças do mercado. Uma de suas manias era organizar filas, tirando velhas de uma fila e levando para outra, numa mobilização que além de irritar, provocava prejuízo de tempo – muitas vezes a fila em que a velha estava andava mais rápido que a outra para a qual foi remanejada.

Outro dia flagrei uma cena absurda: um senhor de idade se irritou com Peninha porque deixou o posto de vigilante e foi empacotar compras nos caixas, alegando que era para dar agilidade. Mas ele colocou produtos de limpeza com alimentos, coisa que os clientes não gostam e contraria normas para evitar contaminação. Como o homem não gostou, ele reagiu: “Não gostou do atendimento, vai comprar em outro mercado!”. Aquilo era falta de educação e ofensivo. Outros seguranças ficavam impassíveis, se movendo quando necessário. Afinal, estão ali para fazer segurança do mercado e não para dar espetáculo. Peninha era tão elétrico que só faltava dançar balé ou se requebrar que nem o Ney Matogrosso quando jovem.

Mas ele não é bobo. É gentil com mulher bonita e rude com homem feio. Um funcionário do mercado disse que recebeu reclamações, mas não pode fazer nada porque a segurança é terceirizada. “Já pedimos para a empresa o recolher, eles o recolheram, mas depois o mandaram de volta. Eu acho que eles não têm onde colocar ele”, especulou o sujeito. Ele contou que numa ocasião Peninha flagrou um garoto surrupiando um produto e em vez de seguir procedimentos de rotina que é chamar uma autoridade policial – porque Peninha não é autoridade- ele chutou o traseiro do garoto e berrou: “Ladrão aqui leva porrada!”. Era um problema para o garoto e também para os outros clientes que entendiam aquilo como um recado que não mereciam ouvir.

O irônico é que num final de tarde o mercado foi assaltado por quatro sujeitos, que levaram o dinheiro do caixa, agrediram a supervisora e ninguém fez nada. Eles estavam armados. Nesta hora, Peninha não apareceu. Um sujeito que pediu para não ser identificado disse que ele foi para o banheiro e urinou-se todo. Eu não acreditei. Mas também não duvidei. No estacionamento, enquanto colocava as compras no bagageiro, uma senhora de cabelos brancos me chamou com um gesto, me disse que seu nome era Mafalda e sussurrou: “Sabe o que é isto, meu filho?”. Ela se referia a Peninha. Eu disse que não sabia: “Isto aí é a globalização da economia. Deu nisso a venda das empresas paranaenses. Quando este mercado era nosso, o atendimento era outro. Melhor. Agora, com a globalização, eles pagam mal, ninguém quer trabalhar aí e então contratam pessoas sem educação. Os fregueses são tratados como cães. Deu nisso”. Eu fui embora pensando no que ela falou.