Numa certa manhã, depois de despertar de um sonho agitado, Jorge Samba apalpou o lado direito de seu ventre e encontrou uma estranha protuberância. Era uma coisa maior que uma hérnia. Os raios de sol, que banhavam a praia de Copacabana, entravam pela janela do apartamento, projetando no quarto uma profusão de listas escuras e claras, de sombra e de luz. Jorge olhou para o lado esquerdo da cama e sua mulher ressonava; ela não viu a coisa intumescida se movendo na barriga dele, como um feto em gestação. Seria belo motivo para uma discussão doméstica estéril, longa e sem resultado prático. Por isso, tratou de ficar quieto, enquanto pensava em alguma coisa. E a primeira coisa que lhe ocorreu foi indagar: “O que está acontecendo comigo, caralho?”.

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Não era pesadelo e ele tampouco estava febril. Jorge apalpou de novo a barriga e percebeu que era real. Lá fora, logo de manhã, as pessoas espraiavam-se na areia para receber em seus corpos os raios solares, de forma a dourar a epiderme com uma tonalidade trigueira. Numa sociedade em que o culto ao corpo esbelto substitui as religiões, tomar sol era um ritual tão sagrado quanto o primitivo hábito de adorar o principal astro do sistema. E, por isso, andar por aí como uma protuberância abaulada no ventre seria condenar-se ao escárnio. Mais: condenar-se à execração pública ou, talvez, a excomunhão silenciosa e opressiva. Ele pensou: “Se isto não for um delírio, eu estou ferrado!”.

Jorge Samba levantou-se, foi até o espelho, ergueu a camisa do pijama e se repugnou com a própria aparência. Ele deduziu que se o vissem assim, ninguém se aproximaria dele sem um visível arrepio físico – a barriga parecia barriga de um grande inseto onívoro. Este foi o primeiro temor de Jorge. Que o vissem. O segundo foi a curiosidade mórbida sobre o significado do acréscimo inesperado em seu corpo. Ele gostaria de saber se todo o corpo viria a adquirir a textura de um inseto artrópode e quais as consequências da metamorfose. E, mais, se a coisa aumentaria de tamanho, de modo a comprometer a aparência, de forma definitiva, e se ele se transformaria numa espécie de um baratão, arrastando uma estrutura alheia e inerente ao seu corpo que inesperadamente foi agregada.

Uma ideia estúpida lhe veio à cabeça: “Se eu voltar a dormir, talvez acorde como antes de acordar esta manhã”. A ideia deu ligeiro pavor. Era improvável, muito improvável que se voltasse a dormir, a coisa desapareceria. Jorge olhou no espelho, mais uma vez. Ele conjeturou por um momento, sem levar muito a sério, se aquilo não era o resultado dos salgados abomináveis que comia no Bar do Antônio todos os dias e que foram se acumulando em seu corpo, até se transformar em algo independente e repulsivo, como um grande verme que se desenvolve até virar um monstro resistente e ameaçador.

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A ideia era bizarra, mas aquele negócio em seu corpo não era menos bizarro. Ele decidiu não ficar no quarto, esperando episódios ainda mais angustiantes acontecerem, como o repúdio da família ao descobrir que ele tinha algo assustador no corpo e estava se transformando num inseto gigantesco. Poderia ser trancado no quarto por um simples pudor familiar e até ser agredido com o arremesso de uma maçã que se incrustaria nele e apodreceria junto a ele, num desenlace ignóbil. Por isso decidiu, também, que não era hora de entrar em pânico e não bastava sair do quarto, mas fazer a coisa sensata. Jorge Samba era militar aposentado e aprendera que em situações de perigo, a melhor coisa a fazer era não entrar em pânico. Certo. Então ele foi ao banheiro, tomou banho e fez tudo o que fazia todos os dias, incluindo escovar os dentes e pentear o cabelo. Ele colocou roupa domingueira. Estes movimentos matinais acordaram a mulher.

Ela sentou-se espantada na cama e perguntou: “Aonde você vai tão alinhado?”. Ele respondeu: “Vou ao médico”. “Está se sentindo mal?”. “Estou apenas com uma barriga de barata ou barata na barriga. Ainda não sei direito”. A mulher achou que Jorge estava sendo irônico e o seu rosto crispou numa expressão de censura. Então ele abriu a camisa do pijama e mostrou a protuberância asquerosa grudada no corpo. A mulher levou as duas mãos ao rosto para sufoc,ar um grito e quando conseguiu falar alguma coisa, ela disse: “Que coisa mais nojenta! O que você andou fazendo?”. Sim. Era um nojo.

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Jorge não respondeu, fechou novamente a camisa e a enfiou por dentro da calça. Assim, a protuberância se disfarçava junto à barriga. Sem dizer mais nada, ele saiu do apartamento em Copacabana e foi ao médico em Botafogo. Achou a coisa mais sensata. O doutor era velho amigo, mas quando olhou aquele negócio na barriga de Jorge Samba fez expressão de repugnância. Em seus quarenta anos de medicina, não vira nada igual. “Que coisa mais feia, hein Jorge?”. O médico disse: “É preciso tirar uma radiografia”.

Meia hora depois o médico mais tranquilo e com as radiografias nas mãos deu o diagnóstico: “Meu amigo, você tem um enorme vírus mutante ou bactéria de caráter parasitário que na medida em que ela cresce, absorve o seu corpo e sua personalidade. É algo absolutamente fantástico. E repugnante, claro”. Jorge Samba gaguejou: “O senhor quer dizer com isso que eu não serei mais eu?”. O médico respondeu: “Exatamente. Por acaso você foi abduzido por um alienígena?”. Jorge disse que nunca traiu a mulher com ninguém do outro mundo. Aquilo era irrelevante. O médico disse: “Se tudo correr bem você vai virar um inseto. Vai ser um tremendo barato”.

Jorge Samba ficou atônito. Quando a mulher soubesse daquilo ela ia fazer uma cena sem tamanho. Mas ele poderia tirar vantagem, porque ela tinha medo de baratas: “E se tudo não correr bem?”. O médico respirou fundo e respondeu, tratando logo de cobrar a consulta antes que fosse tarde: “Bem, neste caso acho que você não deve entrar em pânico. Afinal de contas todos nós vamos virar defuntos um dia”. As mãos de Jorge Samba tremeram. Ele sentiu o drama. Suas próximas horas seriam terríveis e angustiantes. E ele nem sabia onde as baratas de Copacabana se escondiam para buscar apoio e solidariedade.