“Joga na loteria, rapaz!”

A minha memória não anda lá estas coisas, mas de vez em quando ela dá um estalo que me impressiona. Um dia destes, eu estava andando com a cachorra no Parque São Lourenço e de repente, sem mais nem menos, me veio na memória o número de minha conta no Bradesco nos anos 70. Conta aberta se não me engano em setembro de 1972. Até o número da agência eu me lembrei, mas isto não é complicado porque o número da agência ainda está lá até hoje e, além disso, nunca me esqueceria, porque é no popular o nome de uma posição sexual. Agência 69. Estas coisas quando entram na cabeça da gente não saem mais. Nem com a senilidade. Mas o número da conta não.

Voltei para casa correndo e a primeira coisa que fiz foi anotar numa caderneta apenas para não esquecer mais, porque o número da conta era algo difícil de resgatar. Provavelmente não vai ter utilidade alguma. Um ou dois dias depois estava vindo para o trabalho e me veio outro estalo: eu me lembrei de algo que havia esquecido há muito tempo, o número de minha matrícula na Empresa Jornalística Folha da Manhã, que edita a Folha de S. Paulo e onde trabalhei na Agência Folha de Notícias de 1978 a 1980. Era uma carteira de papel e servia apenas para me identificar como funcionário da empresa. Naquele tempo não havia o cartão ponto com código de barras. Havia uma máquina grudada na parede bem ao lado da telefonista, com os cartões de todos os funcionários, cada um com um número. A gente batia a hora de entrada e de saída.

Eu fiquei impressionado com as duas lembranças, porque no caso da segunda, nem recordava que tinha carteira de identificação, muito menos o número. Quando eu cheguei na redação contei as duas lembranças para o Miguel, esclarecendo que ando meio esquecido mas algumas coisas de repente estalam na cabeça. Ele arregalou os olhos, impressionado. Até pensei que falei bobagem. Mas ele explicou: “Joga na loteria, rapaz!”. Teoria dele: estes estalos seriam um aviso do inconsciente que captou alguma coisa na área e estava fazendo uma espécie de delação premiada pra mim. Miguel ainda disse com tom de urgência: “Tem loteria do outro lado da rua. Vai lá e faz uma aposta!”. Eu ainda não fui. Agora estou em dúvida: será que eu vou?