Caía garoa fina, que não chegava a molhar a roupa, mas era capaz de encharcar um elegante chapéu de papel feito na China. Bartolomeu entrou no ônibus e sentou no único banco vago, ao lado de uma estudante que conversava com duas amigas, também estudantes, no banco da frente. A que estava ao lado da janela explicou: “Meu nome é Rebeca, que significa mulher de extrema beleza”. Era de sardas no rosto, cabelos ruivos e olhos miúdos. Não era feia, mas estava longe de ter “extrema beleza”. A outra, loira até bonita, de óculos disse: “O meu é Rosa, que significa famosa”. As duas olharam para a garota ao lado de Bartolomeu e perguntaram: “Você sabe o significado do teu nome, Dionina?”. A garota era bonita. Cabelos negros, olhos azuis e sobrancelhas delineadas de negro.

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Ela fez expressão manhosa e perguntou: “Ai, gente, eu vou ter que falar isso?”. As outras duas disseram que sim, que o nome dela era bonito, ela era bonita e não precisava se envergonhar. “Eu gosto do meu nome, mas acho o significado estranho”. Até Bartolomeu que não tinha nada com a história, ficou curioso. As outras duas insistiram e por fim Dionina respondeu: “O meu nome significa cloridrato de etilmorfina, comprimido analgésico, sedativo para afecções das vias respiratórias”. As duas amigas olharam espantadas. As duas indagaram ao mesmo tempo: “Sério?”. Dionina respondeu: “Sério”. Rebeca disse: “Mas eu acho um nome bonito. O meu irmão se chama Absalão”. Em seguida acrescentou que o nome significava “pai da paz”. No entanto, ela mesma argumentou: “Este negócio de significado de nome não tem nada a ver com a pessoa. O meu irmão é atentado e só arruma confusão”.

Rosa disse que o irmão dela se chamava Yuri: “Com ípsilon”. Ela tratou de emendar que o nome de seu irmão significava um monte de coisas como fazendeiro, aquele que trabalha com a terra, a luz de Deus e pessoas de ideias abundantes. As duas olharam desconfiadas para Dionina e perguntaram: “Qual é o nome de seu irmão?”. Dionina respondeu: “Genux”. Rebeca disse que nome bonito e perguntou temerosa: “Qual o significado do nome de teu irmão, menina?”. Dionina respondeu sem se preocupar: “Ah, significa um monte de coisas também”. As duas insistiram em saber e Dionina fez uma cara pensativa: “Deixe-me lembrar”. E ela foi falando: “Significa protoxalato de ferro, ruibarbo, calumba, cáscara sagrada, sulfato de cobre, metilarsinato de sódio. Tudo isto. Gostaram?”.

Rosa indagou: “Tudo isso? O que são essas coisas?”. Dionina respondeu: “Meu pai disse que era um anti-helmintico para anemias verminóticas”. As duas olharam estupefatas para a amiga. Rebeca balbuciou: “Caramba!”. E emendou: “E como teu irmão se saiu com este nome?”. Dionina respondeu que ele se saiu bem porque diz para todo mundo que ia se chamar Jesus, mas o escrivão anotou errado. Em seguida ela perguntou para Rebeca: “Teu pai é judeu, Rebeca? Só tem nome do Velho Testamento na família”. Ela disse que ele era evangélico e que em sua casa ainda tinha a Judite, Jeremias e Moisés, os mais novos. Antes de alguém perguntar, Rosa respondeu: “O meu pai ainda é comunista. Veja bem, ele é do PC. E não é do PT. Ele é comunista”. As outras duas não viram diferença em ser comunista ou ser do PT.

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O pai de Rebeca disse que o PT queria transformar o Brasil num país comunista. Dionina disse que era verdade, mas que o pai dela não entendia como o Brasil ia ser comunista se o filho do Lula era dono da Friboi. Ele achava que as duas coisas não combinavam. Rosa e Rebeca ficaram esperando Dionina se pronunciar: “O meu era farmacêutico. Ele ficava horas olhando os nomes de remédios nos catálogos dos laboratórios. Ele dizia que os remédios tinham nomes bonitos. Nomes diferentes. Além de mim e do Genux, em casa tem o Gerialme e o Dinistenile, que é remédio para pessoas com tendências agressivas”. Rosa perguntou: “Ele é agressivo?”. Dionina disse que mais calmo que ele não existia. Que o apelido dele era Soneca. Rebeca tratou de encerrar a conversa sem traumas: “Tudo bem, né gente? Imagina que voc&ecir,c; escapou de se chamar Novalgina!”. As três riram. Bartolomeu que não tinha nada com a conversa também riu, esquecendo que seu chapéu chinês virou pasta de papel na cabeça.