“Hoje vai ser o dia mais emocionante da sua vida”

É cada vez mais raro ver alguém usar a pista do Parque São Lourenço construída para os pilotos de um dos mais tradicionais bólidos da história brasileira: o carrinho de rolimã. O uso do carrinho de rolimã está em decadência nos últimos cinco anos. É visível a redução gradual no número dos praticantes deste esporte infanto-radical, principalmente na pista construída no parque para este fim. O interessante é que boa parte dos que ainda o praticam é formada por adultos querendo matar a saudade das brincadeiras de infância. Como agora tem dinheiro, aparecem comicamente paramentados como fossem para uma pista de Monza ou Monte Carlo. Alguns com direito a capacete, camiseta, calção azul e tênis mais colorido que ônibus argentino de turismo em Camboriú.

Eles sobem o morro com indisfarçado sorriso e quando descem a pista, não raro algum deles perde o controle e se esborracha na primeira curva, sem precisar chamar o safety car. Com o tempo, até o número destes adultos também diminui e são poucos hoje os que aparecem por lá para usar a pista do São Lourenço. No entanto, de vez em quando alguém aparece, mas não chega a ser animador. São pais que querem mostrar aos filhos como foi divertida e radical a sua infância. E o fazem no afã de o herdeiro se interessar por aquilo, assim como em muitos casos os filhos e netos herdam o time do coração do pai e do avô, seja Atlético, Coritiba ou Paraná. E, agora, mais aquele segredo: descer a pista do São Lourenço a bordo de um carrinho de rolimã.

Mas estas experiências nem sempre são bem sucedidas. Como ocorreu na semana passada. Um sujeito subiu o morro com o carrinho de rolimã e o filho. O garoto estava com cara de quem ficaria mais feliz na praça de alimentação do Shopping Mueller. Ele olhou com expressão de horror a pista, a inclinação e o carrinho nas mãos do pai. A primeira pergunta do rebento foi de alguém prudente: “Você fala sério que nós vamos despencar ladeira abaixo em cima desse negócio? Não tem perigo?”. O pai riu da ingenuidade do garoto e ignorou a coragem do filho em confessar a sua covardia. As crianças de hoje em dia são muito pragmáticas: o menino deve ter pensado que mais vale um covarde vivo que um herói morto. Afinal, para quê correr risco se ele tinha a vida inteira pela frente? O pai disse: “Hoje vai ser o dia mais emocionante da sua vida”.

Quando o pai sentou no carrinho, colocou os pés no eixo dianteiro e aconchegou o filho entre as pernas, para protegê-lo, eu percebi que aquilo tinha tudo para redundar em meleca. O bólido disparou e ainda ouvi: “Pai você ficou louco. Você vai matar a gente!”. Mas era tarde: como velho e gordo Niki Lauda, o pai conduziu o garoto ladeira abaixo. Eu ouvi um longo grito como o de alguém que encontrou numa mansão plúmbea o sujeito que organiza a carnificina no massacre da serra elétrica. Grito de horror. Foram breves longos segundos. Lá embaixo os dois ficaram parados. Aparentemente, inteiros. Fui andando com a cachorra e encontrei os dois mais adiante andando devagar pela ciclovia interna do parque. O pai com o carrinho nas mãos e o filho com as pernas duras, como fossem pernas de pau.

O garoto estava pálido, chateado e com lagrimas nos olhos. Estava talvez um pouco feliz por estar vivo. Mas envergonhado. Como se todo mundo pudesse enxergar seu drama. Eu fui criança e conhecia a cara, o andar e principalmente o sentimento. Eu sabia o que era. Era sinal do primeiro contato com o pânico. Quando acontece, o intestino, órgão mais covarde de nossas entranhas, nos abandona e solta tudo. E aí a coisa fica suja. Nada que um banho não conserte. Mas até o banheiro e entregar a roupa para a mãe é uma humilhante caminhada. Não importa se ninguém viu. O garoto sabe o que aconteceu. O pai naquele momento se preocupava em consolar o filho. Ele nem suspeitava que ia ouvir umas boas da mulher quando chegasse em casa. E, provavelmente, será mais um que não voltará mais ao Parque São Lourenço. Principalmente para descer a pista com carrinho de rolimã.