Tem domingos e domingos. Domingos de chuva, domingos de competição tipo minimaratona pelas ruas da cidade, tem domingos de eleição, domingo de carnaval e tem domingos como o de ontem, domingos de sol, com friozinho agradável. Este é o melhor de todos. Acredito que seja o dia ideal para andar pelas ruas e apreciar Curitiba. A cidade fica encantadora sem o volume abusivo de carros e de pessoas apressadas que entopem a cidade nos dias de semana. O domingo de ontem era um convite a sair de casa sem nenhum plano definido. Foi o que fiz logo de manhã, depois de levar a cachorra para dar uma volta no Parque São Lourenço. Eu peguei um Abranches para o centro e passei no Largo da Ordem para comer duas empanadas argentinas na barraca do Edson.

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Em seguida eu sentei num banco perto do Cavalo Babão e me bateu uma vontade de ficar olhando as moças bonitas até a feira acabar. No entanto, eu me lembrei de que ontem era o último dia para ver a exposição de Joan Miró no espaço cultural da Caixa Econômica. Exposição que era para ser vista há muito, mas adiei por vários motivos: um dia havia entrevista, outro viajei, depois vieram os jogos da Copa do Mundo e Miró foi ficando em segundo plano, embora seja um dos maiores pintores do século 20 – o meu primeiro pintor moderno favorito. E ontem era o derradeiro dia para vê-lo. Pensei comigo: “A feirinha está agradável, mas hoje eu tenho compromisso com Joan Miró”. E fui para a Praça Santos Andrade e, depois, entrei na Rua Conselheiro Laurindo. Chegando à Caixa Econômica percebi que errei em não ir antes. Não tinha mais nenhum exemplar do bonito catálogo feito para a exposição.

De qualquer forma, foi bom conferir os 70 trabalhos de Miró – na maioria esboços e desenhos de quadros que vieram a ser pintados, outros serigrafias, enfim, um tipo de exposição que revela a intimidade do trabalho do pintor catalão. Depois de quase uma hora, deixei a exposição e como estava perto do jornal, decidi vir para a redação. A Rua Marechal Deodoro estava quase deserta e as calçadas vazias. Fui andando sem pressa. Uma quadra adiante, um sujeito deixou o interior do caixa eletrônico do Bradesco. Seria normal se ele não usasse roupas do século 19. Ele parecia o Sr. Pickwick. Eu me lembrei do personagem de Charles Dickens porque o homem também usava chapéu tipo cartola.

Eu o olhei e depois ao redor para ver se alguém além de mim via aquele tipo. Ninguém por perto. Fiquei com vontade de perguntar por que ele estava com aquela roupa, mas ele me olhou entre cauteloso e mau humorado e então fiquei quieto. Como estávamos em direções opostas, ele passou por mim e eu por ele. Adiante, no entanto, eu parei e virei a cabeça para olhá-lo. Ele fez a mesma coisa. Estava desconfiado. Naquele momento eu percebi o óbvio: ele devia ter retirado dinheiro do caixa eletrônico e como não havia ninguém na rua, ele suspeitou de minhas atitudes, de que eu pudesse ser ladrão. E se tentasse roubá-lo, não havia ninguém para socorrê-lo. Não deve ter passado pela cabeça dele que eu o olhava por causa da roupa esquisita. O mais curioso estaria por acontecer.

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Uma lufada de vento frio levou o chapéu do homem e ele esqueceu-se de mim para correr atrás do chapéu. Eu não sei qual foi a última vez que vi um homem correr atrás de seu chapéu, porque há décadas os homens não usam chapéus, a não ser por dandismo. E ali naquela manhã ensolarada de domingo encontro um sujeito vestido à maneira do século 19 correndo na Rua Marechal Deodoro quase deserta atrás de seu chapéu que o vento levou. O chapéu rolou pela calçada e eu temi que ele fosse para a rua, embora não houvesse ninguém na rua. No entanto, o homem correu ao lado do chapéu com a mesma velocidade com que o vento o impulsionava e sem deixar de correr, ele abaixou a mão direita, pegou o chapéu, limpou-o, colocou-o novamente na cabeça. E ficou segurando na cabeça até o vento passar. Só depois, ele se voltou para me olhar pela última vez. Ele se virou, andou mais alguns metros e dobrou a esquina. E eu vim embora para a redação.