Helen Maria é uma cadela triste dos olhos cor de mel

Os cães, assim como muitos outros animais irracionais, têm uma lei cruel: quando nasce um rebento estropiado em vez de alimentá-lo, deixam-no morrer. Amamentam as crias normais e negam ao estropiado o alimento, para apressar a sua morte. Seria isto que ia acontecer a Helen Maria, uma cadela estropiada que nasceu mais arrebentada que a cara de alguns lutadores de MMA depois de um combate cruel. A pata de Helen Maria é defeituosa e curta. Ela não concesegue colocá-la no chão, o que faz que se mantenha sobre três patas, com prejuizo para a locomoção, sem contar a parte estética. Quando ela nasceu, a mãe de Helen Maria a afastou para um canto, para ela morrer. E morreria.

O destino de Helen Maria mudou por capricho de Elvis Plácido, bichinha faniquenta. “Tadinha. Eu vou cuidar dela. E vou dar um nome bonito. Helen Maria”, disse, para desconforto do companheiro, Mauricio Matos. Ele disse: “Não faça uma besteira desta. Você vai arrumar mais um problema”. Elvis bateu o pé: “Quem vai cuidar vai ser eu. E você fica quieto!”. E para não armar barraco com o companheiro, Maurício, também conhecido por Mauricião, ficou quieto. Elvis salvou a vida de Helen Maria, que de bonito tinha apenas o nome, a cor dos olhos, cor de mel e um pelo marrom que parecia um tecido de veludo. O resto estava estragado.

Dois meses depois Elvis colocou Helen Maria na rua. E na rua, Helen Maria teve de competir com cães de rua espertos. Eles não vacilam. Além disso, estavam fisicamente preparados para sobreviver. Se viver na rua não era fácil para um cão normal, ainda mais para uma cadela estropiada chamada Helen Maria. Ela apanhou de todo mundo: de cães e humanos até ser recolhida por Hermenegilda, a Gilda, que tinha dois cães e conhecia a história pregressa da canina, porque também conhecia Elvis Plácido. Helen Maria chegou assustada à casa de Gilda e toda vez que a nova dona se aproximava ela gania e urinava de medo. Hábitos que perdeu depois de perceber que não seria espancada.

Por conta do abandono de Helen Maria, Gilda brigou com Elvis e por tabela, com Mauricião. Elvis é genioso e muda de opinião em todo momento. Depois que enfarou de Helen Maria, obrigou o companheiro a abandonar num bairro distante outros quatro cães recolhidos na rua: Tufão, Maciste, General e Marylin. Esta última uma cadela de pelos pretos, provavelmente a única Marylin morena no mundo, incluindo humanos e caninos. O quadro atual é o seguinte: Gilda compra um saco de ração porque Helen Maria é estropiada e magra nas come mais que ferrugem em navio. Gilda desconfia que Helen Maria tem problema mental, além dos físicos, porque late fora de hora e sem motivo aparente sai correndo de madrugada pelo quintal, como corresse atrás de fantasmas.

E como ela come muito, defeca muito. Gilda tentou se livrar de Helen Maria, passando a custódia para uma alma boa, caridosa e solidária. Neste ponto a adoção da cachorra foi educativa: Gilda descobriu que não existe alma boa, caridosa e solidária no mundo. Ninguém se interessa por Helen Maria. Que vai se arrastar atrás de Gilda até o último de seus dias. O irônico na história é que Helen Maria era estropiada, mas Tufão a engravidou e ela deu à luz a oito pequenos cachorros, dos quais sete normais e embora fossem guapecas, um mais bonito que o outro. O oitavo era estropiado que nem a mãe. Helen Maria não o alimentou. Ela o afastou para bem longe das crias sadias. E deixou o pequeno morrer. Como os cães pequenos eram bonitos e saudáveis, Gilda não encontrou dificuldades em doá-los. Gilda pensou que agora só tinha um problema: cuidar de Helen Maria por alguns anos. No entanto, numa noite destas Gilda me ligou choramingando. Ela estava com três cães e pediu para eu adivinhar: “Você não sabe quem está no portão de minha casa?” Eu não adivinhei. Ela disse que era Tufão. Estava faminto. Ninguém sabe como ele achou o caminho de volta. Mas achou. Gilda deu de comer a Tufão. Eu respirei fundo. E não perguntei nada.