“Eu nunca mais piso os pés no Rio de Janeiro”

Eu tenho um amigo, o Anacleto, que tem trauma com o Rio de Janeiro. Aconteceu com ele algo que também me aconteceu, no meu caso em dezembro de 1975. Ele foi preso pela polícia e até explicar que focinho de porco não era tomada, já tinha levado um belo susto. O meu caso aconteceu durante um arrastão da polícia em Copacabana. Os caras nem quiseram ver documentos, este detalhe foi conferido no distrito. Para minha sorte eu tinha passagem de ônibus comprada para Salvador e não foi complicado explicar que estava de passagem, ia embora e não voltaria. Ainda assim senti um clima para rolar um troco e facilitar a liberação, que acabou saindo sem troco nenhum. Anacleto foi confundido com traficante que os policiais procuravam. Ele explicou direitinho e ficou tudo por isso mesmo, mas a confusão o deixou humilhado.

O sujeito é advogado, acha que é doutor, classe média alta e ser confundido com traficante abalou a autoestima. Ele decretou: “Rio de Janeiro nunca mais”. No meu caso eu já senti vontade de dar um pulo no Rio. Tenho amigos e um deles, o Ari Silveira, já me convidou várias vezes. No entanto, um episódio recente envolvendo outro amigo, o Ruy Fernando Barbosa, jornalista que foi metralhado no meio da noite, depois de sair ou ir para uma festa reforçou os meus temores. Ruy passou por várias cirurgias, sofreu demais e há meses morreu. Ele foi atingido de forma gratuita. O carro em que estava se viu envolvido na troca de tiroteio entre policiais e traficantes. Voltando ao Anacleto, a mulher dele, Rosilda, cismou de conhecer o Rio de Janeiro e passou a intimá-lo.

Anacleto firme na recusa. Um dia me confidenciou que a situação chegou a um ponto em que ele não disse para ela, mas pensou: “Se meu casamento depender de eu levar a Rosilda para o Rio, acabou. A gente se separa sem trauma e sem frescura. Se ela botar na mesa esta condição, o bicho pega”. Ele contou o plano pra mim, que falei: “Calma, rapaz, não seja radical!”. Mas não foi preciso. Rosilda tinha uma amiga, a Célia, que tinha irmã no Rio de Janeiro. Mais uma vez, Copacabana. Célia disse: “Se teu marido não te leva para conhecer o Rio de Janeiro, eu te levo. Vamos ficar uma semana na casa de minha irmã Heleninha”. Heleninha era casada com o Fernando Severo, cuja mãe tinha vários apartamentos em Copacabana e ele morava com a mulher em um deles.

Fernando Severo tinha emprego de burocrata na Polícia Federal. Rosilda foi, viu e voltou. Voltou revoltada, mais que Anacleto e eu junto. Nós ficamos ressabiados, Rosilda voltou soltando os bofes. “Nunca mais piso os pés no Rio de Janeiro”, disse, sem contar os motivos pra mim. Aquilo me deixou curioso. Eu perguntei para Anacleto o que tinha acontecido e ele disse que não podia contar. Achei bobagem e como não podia saber o que acontecera, eu me afastei para não ficar perguntando de curioso. Ele percebeu e um dia me chamou para tomar um café. Disse que não ia perder a amizade por conta da viagem de sua mulher ao Rio. Que ia me contar o que aconteceu, mas que era para eu não contar pra ninguém. Eu já me enfezei: “Então não conta. Eu tomo umas três cervejas e abro o bico e aí quem vai ficar de cara virada vai ser você. Vamos esquecer o Rio”.

Anacleto se enfezou e disse: “Rosilda que se dane! Não a mandei inventar esta viagem”. Então me liberou pra abrir o bico e contou a história de Rosilda em Copacabana. Assim que ela chegou ao Rio de Janeiro, foi conhecer o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor e depois quis ir para a praia em Copacabana. A viagem acabou ali. Ela voltou para o apartamento de Heleninha e não saiu mais até o retorno. “A Rosilda com aquele corpão gordo, cheio de estrias e coisa e tal pegou um trauma na praia. Ela só viu mulher bonita. Cada uma mais bonita que outra. De repente, ela era a mulher mais feia na praia de Copacabana. E todo mundo olhando pra ela. Ela se sentiu tão mal, que recolheu a tralha e se escondeu no apartamento de Heleninha”, contou Anacleto. Rosilda agora morre de ódio pelo Rio. Porque a cidade é cheia de mulher bonita. Depois de ouvir uma dessa, acompanhei Anacleto numa boa risada.