A professora Gertrudes prometeu e cumpriu. No fim do ano levou a turma para um passeio no museu. Crianças da capital gostam de passar o fim de semana no litoral, mas crianças do litoral ficam fascinadas quando sobem a serra. Tudo é divino, tudo é maravilhoso. Quando a professora prometeu passeio no museu, eles entenderam shopping, parques, cinema, coisas da cidade grande. Criança do litoral gosta tanto de Curitiba quanto os bacanas da capital gostam de Miami. Mas na hora de vibrar com a notícia, disseram: “Oba, a gente vai passear no museu!”. Começa aí: não se passeia no museu. Museu é visitado para se conhecer o acervo ou alguma exposição. No entanto, vamos passar por cima deste detalhe.

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Na viagem, a Kátia perguntou para a professora: “A gente vai demorar no museu, professora?”. Gertrudes olhou a aluna que não era a melhor da turma. “Kátia, não é se a gente vai demorar. Nós estamos indo para visitar o museu. Depois a gente passa no shopping, como vocês pediram”, disse a professora. Kátia fez cara de malandra e perguntou: “Não pode ser o contrário, professora?”. Gertrudes achou melhor não responder e mandou a garota ir para o seu lugar que era proibido viajar em pé no ônibus. Bem, por este diálogo deu para perceber o espírito da turma para conhecer as obras no museu. Àquela altura, a professora já estava em dúvida se fez bem quando prometeu a viagem.

Quando chegou ao museu, a dúvida desapareceu. Os vexames começaram na hora em que o monitor parou diante de uma escultura de um herói nacional, escultura de João Turim. Ele disse: “Bem, este aqui eu nem preciso dizer quem é porque tenho certeza de que todos sabem de quem se trata”. Os alunos responderam juntos: “Claro!”. O guia perguntou quem era o herói e ninguém abriu o bico. Mas o guia era esperto, ele deu a dica: “Este aqui é o Ti.. É o Ti… É o Ti…”. O guia fazendo cara de quem ia ouvir a resposta certa. Não saiu nada. Todo mundo mudo. Geniceu teve coragem suicida, encheu o peito e respondeu: “Esta é fácil, né professor! Este aí é o Tiozinho”. Gertrudes quase teve um troço: “É brincadeira dele. Ele sabe que é o Tiradentes”.

Gineceu perdeu a chance de ficar com a boca fechada e abriu para novo vexame: “Este aí que é o Tiradentes, professora? Eu pensei que fosse o Jesus Cristo. Mas não falei porque Jesus Cristo não é nacional”. O pior estava por vir. O grupo parou diante de uma réplica da Pietá. Obra clássica do Ocidente. O guia mais uma vez tentou o método que mostrou na vez anterior que não funcionava, pelo menos com aquela turma. “Esta aqui é a Pi… Ela é italiana gente! É a Pi…”. Foi então que a Kátia tentou acertar na base do chutão sem direção: “É uma pirada. Mas se arrependeu e virou santa”. Bem, depois daquela resposta a visita transcorreu normalmente porque o guia desistiu do método adivinhatório e passou para o método perfunctório.

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No final da visita, Gertrudes reuniu a turma e passou uma descompostura. “Gente, passei o ano inteiro ensinando arte para vocês. Agora a gente vem para um museu para vocês terem a oportunidade de ver de perto um pouco da produção artística da qual souberam apenas em teoria e vocês me fazem passar este vexame? Estou morrendo de vergonha”. Ela começou a chorar. Sempre tem os que ficam com vergonha, mas também sempre tem os sem vergonha. Alguns crônicos. O maior, claro, Geniceu, que estuda, porque se não fizer isto, a mãe não pega grana do governo. Além disso, os amigos estão na escola e ele vai junto. Para matar aula e jogar bola.

Geniceu chegou para a professora com o coração partido e disse: “Chora, não professora! Eu gosto da senhora. A gente percebe que a senhora se esforça, que é uma pessoa bacana. A senhora é do bem. Passou o ano inteiro falando de gente morta. Mas a gente não aguenta mais ficar sabendo da vida de defunto, a senhora só fala de gente morta, caramba! Eu não quero saber da vida de gente morta, professora”. Gertrudes não respondeu. Não ia adiantar. A alegria voltou ao grupo quando ela disse: “Bem gente, agora vamos para o shopping”. Era tudo o que eles queriam.

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